As imagens dos deslizamentos de terra causados por fortes chuvas e
que deixaram centenas de mortos na região serrana do Rio de Janeiro, no
início de 2011, ou dos refugiados da seca no Nordeste estão firmes na
cabeça de muitos brasileiros. Mas esses são apenas dois dos vários
exemplos dos impactos das mudanças climáticas no Brasil. Muitas vezes,
os efeitos delas são ainda piores por causa da falta de estrutura das
cidades brasileiras.
“O Brasil não está totalmente preparado para
as mudanças climáticas e seus impactos. Os pontos fracos do Brasil estão
relacionados à sua infraestrutura e ao fato de ser um país de enorme
extensão e com uma grande população pobre”, frisa o cientista-chefe do
Instituto de Adaptação Global (GAIN, em inglês), Ian Noble. Uma recente
pesquisa do instituto mostrou que, no quesito vulnerabilidade, o Brasil
está na 58ª posição entre 176 países.
Segundo os cientistas, cada
região brasileira sofre de forma diferente com os impactos das mudanças
climáticas. No Sul e no Sudeste, o maior problema são as chuvas cada vez
mais intensas – e, com elas, os perigos cada vez maiores para as
pessoas que vivem em encostas. Já o Centro-Oeste e principalmente o
Nordeste vão passar por secas cada vez mais frequentes. No Centro-Oeste,
algumas regiões de savana deverão virar caatinga. Já partes da floresta
tropical úmida da Amazônia deverão se converter em serrado e savana.
Agricultura, energia e migração
A
agricultura é o setor econômico mais vulnerável às condições
climáticas. As temperaturas mais altas e a variação do regime de chuvas
podem obrigar uma série de culturas – como arroz, café, soja e milho – a
se deslocar para áreas onde as condições climáticas sejam mais
favoráveis. “Isso gera transtornos para a economia e o setor agrícola”,
comenta Saulo Rodrigues Filho, diretor do Centro de Desenvolvimento
Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB).
O setor
energético brasileiro também é vulnerável, pois depende do regime de
chuvas e das hidrelétricas. Segundo o Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios é o menor em dez anos e caiu
para menos da metade nas principais hidrelétricas do país, o que cria o
risco de apagões.
O governo federal responde com medidas de curto
prazo, como a queima de petróleo para produzir eletricidade. “O governo
brasileiro não entende o atual problema como uma vulnerabilidade do
setor energético diante das mudanças climáticas”, afirma Cláudio
Szlafszstein, do núcleo de meio ambiente da Universidade Federal do Pará
(UFPA).
Quanto à migração regional, o agravamento das
adversidades climáticas poderá fazer ressurgir os refugiados do clima,
principalmente na região Nordeste. “As condições climáticas do semiárido
nordestino poderão ficar mais adversas e, com isso, deve haver um
grande fluxo migratório”, afirmou Saulo Filho.
Szlafszstein lembra
que o Brasil vivencia o problema da migração interna da população por
fatores climáticos há muito tempo, principalmente a nordestina por causa
da seca. “Enquanto estudiosos e a ONU usam o termo ‘migrações
climáticas’, no Brasil a seca e seus impactos são tidos como problemas
crônicos”, comenta.
Avanços?
O pesquisador
Saulo Filho, da UnB, avalia que o governo brasileiro avançou no combate
às mudanças climáticas com a adoção de medidas e de políticas em
sintonia com o que a ciência diz ser necessário para minimizar os
impactos. Um passo importante foi o fato de o Brasil ter apresentado uma
redução voluntária na emissão de gases do efeito estufa, não prevista
no protocolo de Kyoto, na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas
realizada em 2009 em Copenhage.
Outra ação importante foi
implementada também em 2009, com a criação da Política Nacional de
Mudanças Climáticas, que visa elaborar planos contra os impactos das
mudanças climáticas para diversos setores da economia.
“São
avanços importantes, o Brasil caminhou na direção certa. Mas seria
preciso muito mais do que isso no que diz respeito à adaptação e ao
combate à vulnerabilidade. Nesses pontos, ainda temos muito por fazer”,
afirma Saulo Filho.
Szlafszstein diz que o governo brasileiro não
tem um planejamento estratégico para diminuir os impactos das mudanças
climáticas. “Há numerosas intenções e propostas, mas elas se destacam
por serem isoladas, com escasso nível de implementação, e por serem
orientadas para diminuir as emissões de gases-estufa, com pouca atenção
para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas.”
Além
disso, o discurso de preocupação com as questões ambientais é
acompanhado por políticas que vão no sentido contrário, como o incentivo
à produção de automóveis e à extração de petróleo.
Sistema de alerta
A
tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, é
considerado o maior desastre climático do Brasil. Na época, mais de 900
pessoas morreram por causa dos deslizamentos, que deixaram milhares de
desabrigados.
Para evitar novas tragédias, o governo federal criou
em dezembro de 2011 o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de
Desastres Naturais (Cemaden). O objetivo do centro de pesquisa é
alertar, com até duas horas de antecedência, sobre o risco de
deslizamentos de encostas.
De acordo com Carlos Nobre, secretário
de políticas e programas de pesquisa e desenvolvimento do Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT), o governo tem a meta – ambiciosa, segundo
ele – de diminuir o número de mortos, feridos, desabrigados e
desalojados em 80% nos próximos anos. “Com o sistema de alerta, a Defesa
Civil pode conduzir um processo organizado de evacuação dos moradores,
que podem ir para um lugar seguro. O sistema elabora, diariamente,
alertas para todo o país”, diz Nobre.
Pensar de forma preventiva
Segundo
Saulo Filho, é importante agir de forma preventiva e não apenas
remediar os erros. Ele cita um estudo do professor britânico Nicholas
Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, segundo o qual ações
preventivas são cinco vezes mais econômicas.
Saulo Filho afirma que governantes, políticos e até mesmo alguns setores da sociedade ainda resistem em aceitar o tema como prioritário na hora de elaborar políticas e adotar medidas.
“O ser humano quer ter 100% de certeza
de que tudo que está ocorrendo com o clima se deve à ação humana. Mas a
complexidade do sistema não permite fazer interpretações tão exatas e
tão precisas. Isso torna mais difícil convencer os políticos, e essa é
uma das barreiras a serem quebradas nos próximos anos”, afirma.
Fonte: Carta Capital.
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