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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

desafio e o prazer de ensinar em comunidades tradicionais caiçaras


Magro e baixo, com um olhar calmo e fala muito viva. Este é o professor Adriano Leite, um sujeito comum, que poderia ser confundido com qualquer outro educador primário. Isso se não fosse um detalhe: desde muito jovem, ele aceitou o desafio de deixar o conforto de sua casa para dar aulas em escolas isoladas, nas comunidades tradicionais caiçaras de Ilhabela (SP), município do litoral paulista, onde sempre viveu.


É uma rotina que inclui enfrentar horas de barco no mar, viver sem energia elétrica, sem farmácia, sem mercado. A escolha corajosa não foi por acaso: “Assim como meus alunos, eu sou de trás da ilha [como os moradores chamam as praias isoladas do município]. Eu nasci no Saco do Sombrio. Todos me conhecem nas comunidades. “Lá vem o neto de Benedito de Lau, filho de dona Elvira e de seu Joaquim”.

Apesar disso, a maior parte da sua infância foi vivida na área urbanizada do município. Por isso, foi impossível não perguntar: “Qual sua motivação para ir para uma escola tão isolada?”. A resposta veio de pronto: “A limitação que as crianças têm lá”. E continuou: “Na minha cabeça não tinha professor melhor que eu pra ensinar pra eles, porque sou de lá. Eu sei as dificuldades que eles têm. Vivem uma vida humilde, de artesanato, pesca, roça, peixe seco e produção de farinha”.

E são exatamente esses elementos que transformam as aulas de Adriano em algo tão inusitado. “Em tudo na aula eu uso a cultura caiçara. Se eu vou alfabetizar uma sala, eu monto uma história sobre o cerco [técnica de pesca]. A palavras são os nomes dos peixes ou das ervas usadas nas rezas”.

Rotina

O dia a dia de Adriano é diferente dos professores convencionais por uma série de fatores. Para começar, ele mora em uma casa anexa à escola, cedida pela prefeitura. Desde que começou a lecionar nas comunidades isoladas, com 19 anos, ele já passou por diversas. A primeira foi na Vila Caiçara na praia do Bonete. Depois vieram Serraria, Castelhanos, Ilha de Búzios e Praia da Fome. Em todas permaneceu pelo menos três anos, intercalados com períodos na parte urbanizada de Ilhabela.

“Dentro da comunidade o professor tem que ser tudo. Ele é o psicólogo, o padre, o enfermeiro, o médico. Eu passei momentos de muito nervosismo. Não sabia o que fazer, por exemplo, com uma criança que uma cobra coral mordeu. Eu chamava ajuda pelo celular especial que tinha e, enquanto esperava, ia buscar erva, fazia remédio com alho e pinga para ir bloqueando o veneno”.

Encontrar outros docentes só uma vez por mês, em uma reunião organizada pela Secretaria de Educação, que é responsável por buscar, de lancha, Adriano e os outros professores das comunidades. “O maior desafio foi ter que sair da cidade e me isolar. Você fica sem acesso à nada: biblioteca, internet, cursos. Não tem como sair de lá para ir fazer uma pós-graduação e nem para trocar experiência. Tem que querer muito e ter consciência do que vai encontrar lá”.

O número de alunos na escola varia dependendo da comunidade em que Adriano está morando. Todos têm aulas juntos, independente da idade ou da série. “As salas são multisseriadas: tem cinco crianças para alfabetizar, mais cinco no quarto ano, mais três no terceiro. Eu pego um texto só para todo mundo e diferencio as séries nas atividades. Os alunos da quarta buscam os ditongos, os da segunda os plurais e sinônimos”.


Luta

Na maioria das comunidades, porém, a escola só vai até a quarta série do ensino fundamental. “A limitação de estudo atrás da Ilha sempre foi um problema. Os moradores sempre iam até a Secretaria de Educação e eu me metia junto. Na Praia da Fome, por exemplo, nem tinha escola, porque só tinha três crianças. Eu tive que mandar uma carta para o Ministério da Educação e consegui abrir a escola. Toda criança tem esse direito. Todas são seres humanos com sede de conhecimento”.

A luta vem dando resultados. “Me aliei às comunidades e pressionamos a Secretaria de Educação para a escola ter continuidade. Primeiro, conseguimos até o ensino médio no Bonete. Depois em Castelhanos. Já são duas, mas a intenção é levar para todas”.

“Assim como os alunos das comunidades tradicionais, eu também sempre me senti limitado em dar continuidade nos estudos. Sempre tive muita vontade de ir estudar em São Paulo, mas meu pai era pescador, minha mãe era trabalhadora da roça. Como eu ia conseguir ir para uma metrópole e me manter lá? Mas fui atrás e quando abriu a faculdade de Caraguatatuba [SP] foi minha vitória. Eu pensei: agora eu vou”.

E foi mesmo. Conciliando estudo e trabalho, Adriano se formou em Pedagogia e depois em Letras, dando continuidade ao curso de magistério, que ele concluiu aos 18 anos, em Ilhabela. “Tenho vontade de passar essa minha força para o pessoal de trás da Ilha. É lindo trabalhar na roça, fazer artesanato, pescar. Mas se a criança quer mais ela pode conseguir, porque eu, que também sou de trás da Ilha, consegui”.


Mudanças na vida caiçara

A escolha de Adriano de lecionar nas comunidades isoladas tinha dois objetivos centrais: desenvolver os potenciais dos alunos e resgatar a cultura caiçara tradicional.

“O progresso interferiu demais na vida natural dessas famílias. A televisão teve um impacto muito grande, assim como o Parque Estadual [de Ilhabela, instituído em 1977]. De repente eles não podiam mais cortar árvores para fazer canoas, nem plantar mandioca para fazer farinha porque levavam multa. Assim eles foram perdendo a única coisa que eles tinham de valor: sua própria cultura”.

Vendo a impossibilidade dos caiçaras de continuarem reproduzindo seus hábitos, Adriano agiu. “Todo meu trabalho consistia em resgatar a cultura. Eu fazia muita coisa cênica voltada para o tradicional de cada comunidade. Também chamava os mais velhos para aplicar aulas de artesanato. Eles ensinavam a fazer canoinha, tipitis, bonequinhas”.

Para o professor, o trabalho rendeu frutos. “Eu percebia mudanças muito significativas nas crianças. Elas são completamente diferentes dos pais, pois o interesse na cultura é mais forte. Eu sempre me perguntava: alguém vai continuar fazendo tipitis depois que seu Acácio morrer? Agora sei que sim”.

Há cerca de um ano, Adriano saiu da Praia da Fome e foi para a parte urbanizada da Ilha, para dar aulas em uma escola convencional. Por quanto tempo? Isso ele não sabe responder, mas é muito forte a vontade de voltar para as comunidades. “Eu encontro minhas crianças, já adultas, e elas pedem para eu dar aula para os filhos deles. Isso me deixa muito emocionado e me dá vontade de voltar para trás da ilha. É uma coisa muito verdadeira minha porque eu também sou de lá”.

 Fonte: Portal Aprendiz.

 
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