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terça-feira, 26 de julho de 2016

O acesso não é o maior obstáculo do jovem pobre na universidade pública



Todo início de ano é crítico para milhares de famílias brasileiras, porque os resultados dos exames de admissão (vestibulares, Sisu) para as universidades públicas de Ensino Superior estão sendo revelados. A concorrência é feroz para a entrada em diversos programas de graduação, e significa um ponto de inflexão na vida de milhares de jovens estudantes. Só para dar uma ideia, este ano o vestibular na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, teve 73.818 candidatos que concorreram para os 3.460 lugares disponíveis.

Ou seja, menos de 5% dos candidatos conseguem chegar lá. A situação é ainda pior em alguns cursos, como em Medicina, onde 15.989 candidatos estão competindo pelos 110 lugares previstos pela Universidade a cada ano (145 candidatos por vaga). Como é sabido, o processo de seleção é fortemente excludente, e a maioria dos alunos que se matriculam nas universidades públicas vem de famílias com melhores condições socioeconômicas e que tiveram a oportunidade de cursar educação primária e de nível de Ensino Médio em escolas particulares.

Muitos programas de inclusão social e de ação afirmativa têm surgido no Brasil nos últimos anos, mas a maioria deles ainda luta com o fato de que o número de vagas no Ensino Superior público é muito limitado. Assim, qualquer programa, seja baseado em pontuação extra, seja em cotas, tem um impacto extremamente restrito para a promoção de uma verdadeira inclusão social, pois o funil para o Ensino Superior público de qualidade ainda é gigantesco e a elite econômica sempre leva vantagens nos atuais processos seletivos em cursos de alta demanda. É por isso que casos como a recente admissão de Gabriel Brandão Alexandre na Faculdade de Medicina da Unicamp teve uma considerável repercussão na mídia brasileira.

Gabriel vive na periferia de Campinas com a família e sempre estudou em escola pública. Apesar de se destacar como excelente aluno, como milhares de outros jovens de talento e potencial, ele já tem uma desvantagem séria na disputa por uma das vagas, porque o nível das escolas de ensinos Fundamental e Médio é muito desigual. Na realidade, sua admissão só foi possível graças a um programa piloto iniciado pela Unicamp em 2010, chamado Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). O ProFIS oferece uma estratégia radicalmente nova de ação afirmativa, envolvendo um currículo de educação geral.

A admissão é baseada no mérito e uma classe de 120 alunos é selecionada a partir dos egressos do Ensino Médio de todas as escolas públicas da cidade de Campinas. Os melhores alunos de cada escola (considerando as notas do Enem) são convidados a se matricular na Universidade, sem a necessidade do vestibular. Vale a pena destacar que o programa busca incluir pelo menos um aluno de cada escola pública da cidade, o que é fundamental para garantir que todas as instituições (e, consequentemente, regiões da cidade) tenham estudantes matriculados, independentemente da qualidade da escola (que pode ser aferida pela nota média da mesma no Enem).

Os desafios que os estudantes de famílias de baixa renda enfrentam não se limitam à admissão, e por isso programas que só abordam o acesso não conseguem ter suficiente impacto, com altas taxas de abandono, por exemplo. As ações afirmativas podem ampliar o acesso, mas muitas vezes fazem pouco para garantir que os alunos sejam bem-sucedidos até a formatura. É por isso também que o ProFIS é tão especial. Após a inscrição no programa, os estudantes seguem um currículo de educação geral cuidadosamente estruturado, com muitas atividades práticas e iniciação científica obrigatória. A maioria dos alunos recebe bolsas competitivas para cobrir o custo de transporte, alimentação e outras despesas relacionadas com seus estudos. Também são supervisionados por uma equipe de coordenadores, assistentes sociais e estudantes de pós-graduação, para assegurar presença e para intervir em caso de problemas acadêmicos.

Depois de dois anos, os estudantes que concluem os créditos do ProFIS recebem um certificado de curso sequencial de formação interdisciplinar. Mas a Unicamp quer manter esses estudantes em seus cursos regulares de graduação e assim eles podem optar por continuar na universidade, escolhendo uma vaga na maioria dos 69 cursos de graduação oferecidos pela entidade. Depois de uma extensa negociação interna, cada curso concordou em reservar um número de lugares para os egressos do ProFIS, sem a necessidade de prestar vestibular. É assim que Gabriel teve o seu lugar de sonho na Medicina; ele era o melhor aluno entre todos os graduados ProFIS, e assim pôde escolher a vaga no curso que queria. Além da inclusão social e da formação geral, outra vantagem do programa é que os estudantes fazem uma escolha mais madura de seu curso de preferência, pois já vivenciaram dois anos dentro da Universidade.

O ProFIS é ainda um pequeno programa piloto, mas vem tendo forte impacto sobre o debate paraa inclusão social real no Brasil. Os dados socioeconômicos das primeiras quatro turmas são realmente impressionantes, indicando que a maioria dos alunos difere fortemente do perfil tradicional de estudantes que geralmente se matriculam na Unicamp. A grande maioria dos estudantes ProFIS tem renda familiar per capita inferior a três salários mínimos. Esses estudantes são os primeiros em suas famílias no ensino superior, bem como representam com mais precisão a diversidade étnica e racial da região de Campinas. Eu acredito fortemente que esse programa representa um modelo que pode ser adaptado e reproduzido em outras universidades, um modelo que pode efetivamente atacar as enormes desigualdades sociais da sociedade brasileira, que (até o momento) têm sido reproduzidas no sistema superior público.

*Publicado originalmente em Carta na Escola



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