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segunda-feira, 11 de julho de 2016

O professor à prova

Nova proposta de avaliação é baseada em desempenho, observação de aulas e opinião dos alunos

Qual é a melhor maneira de avaliar a qualidade de um professor? Em busca de respostas para esse questionamento, um grupo de pesquisadores norte-americanos liderados pelo economista e professor da Faculdade de Educação de Harvard Thomas Kane mergulhou durante três anos no projeto de pesquisa The Mesures of Effective Teaching, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, cujos resultados finais foram lançados em janeiro deste ano.
O estudo tinha como objetivo desenvolver instrumentos de avaliação de desempenho de professores, aplicá-los nas escolas observadas e, por fim, desenvolver uma análise dos resultados. A pesquisa recebeu financiamento de 45 milhões de dólares e envolveu 3 mil professores voluntários, espalhados por seis distritos do país. O grupo – formado por pesquisadores de universidades, organizações sem fins lucrativos, sindicatos, associações de professores e consultorias educacionais privadas – centrou esforços em professores de crianças matriculadas no sistema educacional americano em séries equivalentes à segunda etapa do Ensino Fundamental no Brasil.
A avaliação docente é um assunto controverso no meio educacional, porém presente em inúmeros países. Nos Estados Unidos, berço do The Mesures of Effective Teaching (MET), o programa do governo federal Race to the Top oferece incentivos financeiros aos estados que apresentarem boas propostas para melhorar a qualidade da educação. Uma das exigências para receber a verba é elaborar um sistema de avaliação para os professores da rede.
Partindo do pressuposto de que o trabalho do professor é o principal fator na qualidade do ensino, um dos resultados do MET foi a elaboração de um modelo de avaliação da qualidade do professor, obtido por meio da combinação de três indicadores: resultado dos alunos em avaliações externas, observação da atuação do docente em sala de aula e a opinião dos alunos, colhida por meio de questionários.
Dessa forma, a avaliação do professor estaria atrelada inicialmente à evolução do desempenho de seus alunos em testes padronizados de Inglês e Matemática. O modelo proposto sugere que esse item corresponda de 33% a 50% da nota final e, segundo os autores, leve em conta os diferentes níveis de escolaridade dos estudantes no início de cada ano letivo.
Outro método de avaliação seria a observação feita por dois analistas independentes de várias aulas gravadas previamente, com o objetivo de analisar o comportamento do professor em sala de aula. A opinião dos estudantes sobre o professor também seria levada em conta e colhida por meio de questionários que analisariam itens como o gerenciamento do tempo da aula pelo docente e sua habilidade de explicação dos assuntos abordados.
Para Adriana Bauer, professora da Faculdade de Educação da USP, um dos problemas de partida do modelo proposto pelos norte-americanos é a suposição de que o professor é o principal responsável pelo sucesso ou fracasso educacional de seus alunos. “Ninguém discorda da influência dele, mas o professor não é o único elemento presente no sistema educativo”, justifica. Para muitos especialistas, fatores como o contexto socioeconômico em que a escola está inserida, o grau de instrução dos pais do aluno e a infraestrutura da escola, entre outros, também influenciariam no desempenho final dos estudantes.
A utilização de dados retirados das notas de desempenho dos alunos em avaliações externas de larga escala já é feita no Brasil, lembra a professora da Faculdade de Educação da UnB, Catarina de Almeida Santos. Em geral, são utilizados dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ou de provas feitas localmente. No País, a avaliação docente também está prevista em algumas etapas da carreira no ensino público, como a contratação ou o estágio probatório.
“Só que, em muitos casos, essas avaliações ou não foram regulamentadas ou se tornaram meros procedimentos burocráticos, sem consequências para os professores ou para os sistemas de ensino”, conta Nathalia Cassettari, especialista em avaliação docente. Ela também acontece em alguns estados e municípios.
No Ceará, o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) oferece recursos financeiros para as 150 escolas públicas com melhor desempenho nos objetivos da ação. O dinheiro recebido pode ser direcionado para a bonificação de professores, a critério da instituição, desde que respeite as regras do programa. A premiação é oferecida para as 150 escolas cujos alunos tenham obtido melhor desempenho em Português e Matemática no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece). A escola premiada recebe um valor de 2 mil reais por aluno, dos quais até 20% dos 75% pagos no ato da premiação podem ser utilizados para bonificar docentes da escola.
Especialista em avaliação docente, Nathalia Cassettari explica que existe na literatura produzida pelos pesquisadores um grande debate sobre como deve ser a avaliação docente, ou seja, qual seria o modelo mais justo. Tal debate envolve fatores como o objetivo da avaliação, os instrumentos utilizados para executá-la e os seus critérios: afinal, o que define um bom professor? Um professor eficiente é aquele cujos alunos conseguem melhores notas em avaliações externas ou aquele que respeita seus estudantes? É possível abrir mão de alguma dessas características?
A pesquisadora alerta para que o projeto norte-americano não seja assumido como um modelo ideal de avaliação de professores. “O trabalho do professor é complexo, tem muitas dimensões e interfaces, pois é difícil estabelecer um critério como o que define a qualidade docente”, opina a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP.
Para Nathalia, é preciso avançar na discussão sobre qual modelo seria o mais adequado para a realidade dos sistemas educacionais do Brasil, sem esquecer de envolver os profissionais docentes nela. Além de não acreditar na importação de um modelo de avaliação docente de um país cujo sistema e os desafios educacionais são muito diferentes dos brasileiros, Catarina de Almeida Santos, da UnB, acredita que a única maneira de realizar uma avaliação justa do professor é considerar todas as variáveis presentes no sistema educacional. “O professor é um dos elementos do processo, é preciso avaliar as condições do sistema e o apoio desse sistema. Se eu não posso delegar apenas ao professor o sucesso da escola, também não posso atribuir a ele o fracasso.”
*Publicado originalmente em Carta na Escola

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