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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

“Precisamos de um currículo que abranja a humanidade” Por António Nóvoa





Cooperação, aprendizado em conjunto, criação, Humanidade, alegria de viver. Palavras e expressões como estas apareceram ao longo da palestra do educador português António Nóvoa, professor e reitor honorário da Universidade de Lisboa, como direções para os novos rumos da educação. Em sua conferência no Educação 360, o sociólogo também disse que a escola deve oferecer uma visão ampla de mundo, o que não se consegue reduzindo a importância de artes, filosofia, sociologia e educação física no currículo.

Na quinta-feira, o Ministério da Educação (MEC) divulgou uma Medida Provisória que reforma o ensino médio. Entre outras propostas, como a flexibilização do currículo da etapa, favorecendo o aprofundamento do estudante em áreas de conhecimento, o que foi elogiado por especialistas, o texto deixa aberta uma brecha para que as disciplinas citadas pelo educador percam a obrigatoriedade na grade curricular.

Nóvoa criticou propostas de currículos “cortados em fatias”. Ele defende que é necessário que a grade de conteúdos tenha capacidade de interligar o mundo em torno de grandes temas e grandes problemas:

— Precisamos de um currículo que abranja toda a Humanidade. No momento em que diminuímos as filosofias, as artes, a sociologia ou a educação física perdemos uma parte da humanidade e não conseguiremos educar visando a uma inteligência que nos permita interligar o todo e não currículos espacializados.

O educador frisou a necessidade de a escola formar uma comunidade, na qual o professor é uma figura chave para estimular o aluno a desenvolver uma visão sobre a “condição humana” e a “identidade terrena”.

— Só uma escola com caminhos, cooperação, comunicação e criação é capaz de resolver a seguinte provocação: é preciso substituir o aborrecimento do viver, de jogar, pela alegria de trabalhar, de pensar. O professor tem que ensinar duas grandes coisas: a condição humana, tudo o que nos faz estar em paz com o outro, e a identidade terrena. Precisamos de um currículo de inteligência do mundo. 

Nóvoa ainda defende que é preciso ter liberdade para os professores nas escolas. Segundo ele, argumenta-se que as escolas brasileiras não estão preparadas e que professores são malformados. Mas isto, disse o sociólogo, não é justificativa válida.

— Então que se formem melhor os professores e se reforcem as escolas — afirmou.

O educador criticou “projetos que se proliferam no ano de 2016 e que tentam fechar as crianças” em seus meios sociais, como família, religião, cultura ou comunidade. De acordo com Nóvoa, o enraizamento é importante, mas é preciso apresentar o mundo para uma educação libertadora:

— É claro que a comunidade, a família e a religião têm direito e obrigação de educar. Mas a educação escolar é de um outro tipo. A escola não é apenas um serviço, é uma instituição. É aquilo que nos institui como seres humanos e na vida em democracia.

António Nóvoa defendeu ainda que os professores devem assumir a formação uns dos outros, em trocas de conhecimento. Segundo ele, os rumos das políticas públicas de educação não podem ficar apenas nas mãos de políticos.

— Nós temos que decidir sobre a educação, não apenas os políticos. A educação existe num espaço público de liberdade, onde educadores e pais são envolvidos, não como clientes do serviço, mas como cidadãos com direito a falar sobre a instituição — afirmou Nóvoa, para mais uma vez defender o trabalho em conjunto. — Não há atividade mais forte na pedagogia do que a cooperação. Devemos formar mutuamente uns aos outros. Já sabemos que os alunos aprendem mais entre si, o que não diminui em nada o nosso trabalho e a nossa responsabilidade, mas faz com que nos organizemos de uma maneira diferente.

O esforço, segundo o educador português, é parte fundamental do processo de aprendizado. Para Nóvoa, “a aprendizagem só acontece quando nos descobrimos e nos recriamos juntos”. Ele também afirmou que a ausência de esforço nos tira uma parte da humanidade, “daquilo que nos permite ver”.

— Este é um trabalho de autoconhecimento, mas também de interconhecimento. O meu maior pesadelo é a indiferença. Ele estava adormecido há alguns anos, mas renasceu muito forte para a preparação dessa palestra. Eu me lembro de uma citação brutal: “A Primeira Guerra Mundial não aconteceu porque, sobretudo, havia o mal e criminosos. Aconteceu como uma consequência da indiferença de quase todos nós”. Na escola, não podemos cultivar a indiferença ou um conhecimento que não tenha humanidade. Nada substitui o bom professor — encerrou António Nóvoa.

Fonte: Jornal O Globo, domingo, 25 de setembro de 2016

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