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terça-feira, 15 de novembro de 2016

O futuro do Enem






A intenção manifesta pelo MEC de mexer na função do exame de selecionar para o Ensino Superior é um retrocesso


A versão 2016 do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) reproduziu a toada verificada nas últimas edições, abordando temas pertinentes àquilo que se espera de um exame que almeja aferir o nível da educação de um País e, simultaneamente, balizar o acesso ao Ensino Superior.

Como nas versões passadas, houve um híbrido entre temas contemporâneos e tradicionais e novamente não deixou de tocar em pontos controversos como a questão de gênero, direitos sociais, questão racial, desigualdade, entre outros. O mesmo vale para o tema de redação que tocou em um assunto que está na ordem do dia, a intolerância religiosa.

Nos últimos anos, a prova vem sendo pautada por um forte teor de crítica social – que é o que se espera de uma prova de humanidades – e foi arrastada para o polarizado debate ideológico que ora se faz presente no País. Enquanto a maioria dos educadores vê-se representado nesse perfil de avaliação, vozes estranhas à educação gritam contra o Enem. Nesse contexto, havia uma expectativa de como seria a versão 2016 e felizmente os elaboradores não decepcionaram.

O que chama a atenção é o descompasso entre o perfil da prova realizada e a postura da atual gestão do MEC. Arriscaríamos dizer que essa prova já estava plenamente elaborada e a atual equipe não quis correr o risco de comprometer o exame de milhões de jovens. Dificilmente será assim em 2017.

Desde sua criação em 1998, até essa última edição, o Enem tem progressivamente se firmado como um exame de caráter oficial e de qualidade reconhecida em que pese críticas sobre se é um exame justo. Ele tem oferecido a muitos jovens a oportunidade de estudar em diversos pontos do país, viabilizando maior mobilidade para cursar uma universidade pública. Professores e escolas são favoráveis à fórmula do exame e aprovam sua função como instância regulamentadora do acesso à universidade. Por isso, vemos com muita reticência as declarações do MEC afirmando querer modificar o caráter do exame como processo seletivo.

Os anos 1990 são um marco na normatização oficial da educação brasileira: a atualização da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), as DCNEMs (Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio), as OCNs (Orientações Curriculares Nacionais) e o Enem estão dentro desse contexto renovador. A renovação foi progressiva e num ritmo crescente e gradual. O novo capítulo dessa discussão é a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que vinha num amplo debate há quatro anos.

A BNCC se propõe a jogar luzes sobre todo o processo de aprendizagem ao longo da escolaridade básica. Procura encontrar novas coerências curriculares mais vis-à-vis com a contemporaneidade. Essa busca chegou a duas versões com propostas resultantes de um processo intenso de discussão aberta em âmbito nacional que mobilizou especialistas em Educação de diversas correntes e representantes de diferentes entidades e grupos sociais. Após polêmicas em algumas áreas, o documento da segunda versão apresentou uma proposta verticalizada, pensada para toda a educação básica.

Sua implantação, mesmo com adequações necessárias, contava também com uma política nacional educacional mais ampla, incluindo aderência ao Plano Nacional de Educação, à LDB, à Constituição Federal e, enfim, aos documentos que entendem e garantem que a educação básica engloba o Ensino Médio e que este deve ser pensando como a etapa final de um ciclo que embase os adolescentes para a leitura autônoma do mundo para, além de entrarem no mundo do trabalho, entrarem no mundo adulto de maneira propositiva, com possibilidades de reunir condições para escolher os caminhos a serem traçados na construção de suas trajetórias pessoais e profissionais.

A reforma do Ensino Médio, que desvaloriza a aprendizagem em áreas de Humanidades e Educação Física em nome da supervalorização do ensino de Matemática e Língua Portuguesa, joga sobre tais disciplinas o peso de resolução de todos os problemas da Educação, toda a responsabilidade da aprendizagem educacional, como se tais áreas do saber fossem, somente elas, capazes de dar conta da amplitude que significa formar cidadãos para compor uma sociedade justa, solidária e próspera.

Ao se propor separar a BNCC do Ensino Médio dos demais segmentos, sob a alegação de que se pretende conectar mais os jovens com o Ensino Médio, dever-se-ia considerar, além de especialistas, o que os jovens anseiam para sua formação. E grande parte da juventude secundarista está dando seu recado em diversos movimentos de ocupação de escolas em todo o País.

Que a proposta curricular venha sim e que proponha modernização e amplie possibilidades formativas, mas com fundamentos sólidos e não apenas voltados à uma determinada visão do mundo do trabalho. Que ela considere as atitudes, habilidades e competências tão amplamente desenvolvidas nessas décadas e que vem sendo base de construção das provas do Enem. Provas que não apenas verificam, aferem conhecimentos conceituais, mas também tornam as horas de enfrentamento para a suas realizações, momentos de aprendizagem e mobilização de conhecimentos, pensamento crítico, propositivo, de criação e de posicionamento da juventude sobre temas cruciais que devem ser discutidos por toda a sociedade – como novamente ocorreu na redação do último domingo ao se requerer que os estudantes se debruçassem sobre o combate à intolerância religiosa.

Assim como a educação como um todo, o Enem precisa de ajustes, reconhecemos. Um deles seria desconcentrar o exame de uma única data. No entanto, ele é baseado em amplo projeto pedagógico associado às DCNEMs, um conjunto de competências e habilidades pertinentes e uma matriz curricular coerente. É reconhecido pelos professores e está consolidado como ferramenta de avaliação e acesso ao ensino superior. Por que mexer em algo que está dando certo? Os graves problemas da educação brasileira, certamente, não residem no Enem. A atual presidente do Inep [Maria Inês Fini] demonstrou publicamente sua antipatia pelo atual modelo e anunciou que pretende dar outra função para o exame. Esperamos que reveja sua posição e que suas declarações não se confirmem. Seria um retrocesso.

Edilson Adão Cândido da Silva e Laércio Furquim Jr. são mestres em Ciências pela USP e autores de 360o Geografia em Rede, pela FTD Educação


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