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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Saúde do Professor (a): Lesões por esforço repetitivo: uma doença comum entre professores



  

Artigo Estadão Educação.

Elevar os braços ao utilizar o quadro negro e dedicar muitas horas às correções de exercícios e à elaboração de materiais em ambientes nem sempre bem projetados são alguns dos principais movimentos realizados pelos professores em qualquer lugar do mundo. No entanto, a constância dessas movimentações pode causar as chamadas lesões por esforços repetitivos (LER), contrariando os critérios de adequação ergonômica: área que visa prevenir acidentes laborais e criar locais adequados de trabalho. 




A professora Gislene de Oliveira, 40, conhece bem as consequências das lesões provocadas pelos movimentos repetitivos da profissão. Ela, que leciona línguas, códigos e linguagens na rede estadual de São Paulo há 15 anos, está afastada há dois, devido a problemas de saúde.




 

No Brasil, o termo Lesões por Esforços Repetitivos (LER) alcançou o senso-comum desde as negociações sociais nos anos 1980 pelo reconhecimento do caráter ocupacional dos distúrbios. O termo Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort) tem sido empregado nas instâncias formais para o diagnóstico, declaração e reconhecimento dos casos. Apesar de guardar imprecisões, é mais abrangente do que o LER, uma vez que os sintomas podem surgir associados a um esforço ou trauma, e não exclusivamente ao gesto repetitivo. Em 1998, a Norma Técnica do Instituto Nacional de Saúde e Seguridade Social (INSS) substituiu o termo LER por Dort. 

Indícios 

Os problemas relacionados à repetição de movimentos começaram no primeiro ano de Gislene como docente, quando lecionava para os Anos Finais do Ensino Fundamental e as turmas do Ensino Médio na Escola Estadual Roque Celestino Pires, em Cotia (SP). Permaneceu durante quatro anos como professora eventual, porém, periodicamente, ela substituía  alguns professores durante as licenças deles.

“Sempre atuei como professora em zonas rurais e periferias. Meus alunos eram crianças e jovens muito carentes. Lecionei para estudantes de 10 até 80 anos, ou seja, do Fundamental I à Educação de Jovens e Adultos. Era muito prazeroso”, lembra Gislene.

Mas, na escola Roque Celestino Pires, ela lecionou para turmas muito conturbadas, formadas por alunos com problemas provenientes da estrutura familiar que acabavam impactando a sala de aula. “Era impossível passar conteúdo, pois a grande parte dos estudantes  não manifestava nenhum interesse” afirma. Certa vez, em uma turma do 8º ano, ela foi separar uma briga entre alunos: um garoto com deficiência, cansado de sofrer bullying, pegou a carteira e a atirou no colega agressor com toda sua força. A professora, a tempo, colocou-se na frente e segurou a mesa no ar.

Quando finalmente conseguiu conter o aluno, Gislene percebeu que o peso da carteira forçou demais a sua coluna, e o resultado desse triste episódio foi uma semana de cama, com a coluna travada e um desvio [na coluna] que persiste até hoje. “Minha coluna nunca mais foi a mesma. Com o passar do tempo, além do desvio, adquiri lordose, desgaste na coluna e estou com suspeita de duas hérnias na lombar”, completa. 

Somados a esse incidente, os esforços repetitivos de escrever e apagar na lousa trouxeram-lhe bursite – excesso de líquido no tendão do ombro direito. As dores são intensas e a fisioterapia não tem ajudado, Gislene precisa realizar uma cirurgia, porém o receio do resultado ser insatisfatório tem desencorajado a professora.

A primeira licença tirada pela educadora foi justamente devido às constantes dores no ombro. Durante as aulas, lembra ela, era preciso realizar algumas pausas ao passar o conteúdo na lousa, para amenizar a dor. Gislene conta que escutava muitas “gracinhas” dos alunos,  do tipo “Tá ficando velha professora”  e  “Vai pra casa descansar, não precisa dar aula”.



Diagnóstico

Diante desta situação, a especialista Ada Assunção explica que fatores biomecânicos, como manutenção de posturas forçadas e prolongadas, são elementos de risco para a dor nos braços e nos ombros.  “Está reconhecido que a LER tem origem multifatorial. Os efeitos das situações mecânicas manifestam-se a depender da saúde global do indivíduo”, afirma a médica. 

A profissão docente é reconhecida como uma das mais vulneráveis ao adoecimento relacionado ao trabalho. São expressivos os dados sobre problemas vocais, transtornos da ansiedade, relacionados ao excesso de trabalho, à precariedade das condições do exercício da profissão e ao ambiente escolar.

“A prevalência dos sintomas de LER/DORT aumenta quando o trabalhador assume posturas em torção ou angulações extremas das articulações durante períodos prolongados e principalmente quando existem indicadores de ambiente psicossocial negativo”, completa a especialista.

A médica reforça ainda a necessidade de se instituir programas de promoção à saúde dos professores da Educação Básica articulados às metas 15, 16, 17 e 18  do Plano Nacional de Educação, para fortalecer a valorização desses profissionais e, por fim, alcançar as demais metas do plano. Ela também tem observado, com base em seus estudos,  que nem sempre o docente dispõe do tempo e tranquilidade suficientes para buscar os serviços de atenção à saúde.

Esse post faz parte da série “Como vai a saúde dos nossos professores?” produzida pelo Todos Pela Educação. Os outros posts podem ser lidos por meio dos links abaixo:

Como vai a saúde dos nossos professores?

Silêncio, turma: quando os problemas vocais impedem o professor de lecionar

Depressão: como combater a principal causa de afastamento dos docentes?

Sobre a especialista:

Ada Ávila Assunção
Professora Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Médica, especialista em saúde pública e em medicina do trabalho, doutora em ergonomia

 Por Denise Crescêncio, do Todos Pela Educação

 

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