Da Agência Brasil
A conquista de uma vaga em uma universidade pública é um sonho para
muitos jovens brasileiros. Dominar o conteúdo exigido no vestibular, no
entanto, pode não ser o principal desafio para que um aluno consiga
ingressar em instituições de ensino superior. Segundo relatos de
candidatos com deficiência, as dificuldades começam antes mesmo de
chegar aos locais dos exames que, muitas vezes, não oferecem a
acessibilidade necessária.
Outras barreiras podem estar embutidas
nas próprias questões que os alunos devem resolver nas provas, como
contou Maria das Graças Morais, 21 anos. A jovem, que tentou o
vestibular da Universidade de Brasília (UnB) cinco vezes, coleciona
relatos de problemas.
“Em
uma das provas, uma questão deveria ser feita com base na observação da
figura de uma bicicleta. Por incrível que pareça, na prova adaptada
para o braille não havia a descrição da figura e na prova do ledor, que
nos ajuda a saber o que está sendo pedido, também não havia a figura
para que ela pudesse descrever o que estava vendo. Como eu poderia fazer
aquela questão?”, questiona a jovem, que tem deficiência visual.
Dados
do Censo da Educação Superior de 2010 apontam que em um universo de 6,3
milhões de estudantes matriculados em cursos de graduação, apenas
16.328 universitários são identificados como pessoas com deficiência.
Desse número, 10.470 estão na rede privada. O dado mostra a realidade
sobre a dificuldade de ingresso e permanência dos estudantes com
deficiência no ensino superior no Brasil.
Ronan Alves Pereira é
pai de Tomás Pereira, 20 anos, estudante cego do 5º semestre do curso de
letras e tradução em inglês da UnB. Ele também acredita que o filho foi
prejudicado por condições inadequadas nas provas da universidade. Em
uma das vezes, o rapaz, que nasceu cego, fez o vestibular da instituição
e foram identificados erros de grafia em enunciados e de transcrição
para o braille.
“É uma situação muito grave encontrar uma cadeia
química incompleta ou sinais trocados em equações matemáticas: no lugar
do sinal de adição, o de subtração. O resultado nunca daria certo”,
conta Ronan.
No
entendimento de Tomás, há precariedade no atendimento ao aluno com
deficiência.“O atendimento ao aluno e à família das pessoas com
deficiência é extremamente precário. Além disso, não há vontade política
de tirar as barreiras. Os problemas são questionados, mas não temos
solução. Nas respostas, a universidade é omissa, discriminadora”,
argumenta o estudante, que lamenta por muitos amigos com deficiência que
não conseguiram entrar na universidade como ele.
“Identificamos
várias divergências na prova, foram sucessivos recursos e uma longa
jornada até conseguir entrar na faculdade. Há vários colegas que não têm
oportunidade ou conhecimento dos recursos e ficam pelo caminho”,
destaca.
Depois de algumas tentativas, Tomás conseguiu entrar na
universidade. Para garantir a vaga, contou com a ajuda do pai que checou
item a item da prova tradicional com a prova aplicada ao filho, em
braille. As dificuldades, no entanto, não acabaram. Ele teve de
enfrentar a falta de estrutura para a locomoção dentro do campus.
“Ir
ao banheiro, por exemplo, é muito complicado, pois não há identificação
nas portas. Outro problema é conseguir mesa para colocar o teclado de
braille, que é grande e não cabe em uma mesa comum. Nem todos os
professores se dispõem a compartilhar a sua própria mesa comigo”, conta
ele, que diariamente é obrigado a desviar de bebedores, cadeiras e
outros obstáculos com auxílio de uma bengala. É ela que o ajuda a
identificar, quando há piso tátil, o caminho para onde quer chegar.
Luiz
Antônio Bichir Garcia, 25 anos, é calouro na UnB. Aluno do primeiro
semestre de história, Garcia, que sofre de uma paralisia cerebral,
precisa de estrutura adaptada para acompanhar as aulas. Ele é
cadeirante, tem atrofia nas mãos, não lê e nem escreve. Conta com ajuda
de sete tutores da universidade para gravar as aulas e os textos
trabalhados pelos professores, além da locomoção pelo campus.
O
pai do jovem, Luis Antônio Garcia, que o acompanha diariamente, diz que a
estrutura não é adequada, mas acredita que há uma preocupação da
instituição em avançar.
“O campus tem muitos problemas para o
deslocamento de cadeirantes. As calçadas são esburacadas, as rampas de
acesso são muito íngremes e os banheiros não são adequados. Mas a
universidade oferece certo apoio aos estudantes e estamos otimistas.
Acreditamos que, aos poucos, as coisas vão melhorar”, diz.
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