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domingo, 9 de setembro de 2012

As religiões diante das crises globais






Não há mais dia em que não estejam na comunicação notícias, análises, debates sobre as várias crises em que estamos mergulhados – da água, das mudanças climáticas, da desertificação, da perda da biodiversidade, do consumo excessivo no mundo, já além da capacidade de reposição do planeta -, agravadas pela perspectiva de que mais 2 bilhões de pessoas venham somar-se aos 7 bilhões de atuais viventes, 1 bilhão dos quais passa fome e mais de 2 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza. Como sair desse quadro dramático, quando as únicas instituições universais de que dispomos – como a Organização das Nações Unidas (ONU) – se veem paralisadas diante da falta de consenso entre os países e as pessoas, que impede a tomada de decisões globais? Que fazer, se conflitos armados continuam a eclodir e podem ampliar-se? E que atitudes adotar diante de ameaças novas, como a da guerra cibernética?


A política, a ciência, a economia não vêm obtendo êxito com muitas das respostas a questões dessa natureza que vêm propondo em muitos lugares, muitos fóruns de discussões. Mesmo quando ocorre uma aprovação em princípio, a prática não consegue avançar, dadas as contradições e divergências entre países, blocos, instituições, governos, etc., cada um deles tentando fazer prevalecer os seus interesses específicos, isolados. Seria interessante ouvir outras propostas. Por exemplo, a palavra das religiões, os caminhos que propõem, eventuais êxitos que tenham conseguido aqui e ali, neste ou naquele terreno – já que em seu dia a dia cuidam de questões éticas, morais, posturas baseadas em princípios religiosos.

Por isso mesmo, convidado, há poucos dias o autor desta linha participou na capital paulista, na Aliança Cultural Brasil-Japão, e com a participação de filósofo, psicólogos e de professores também do Japão, de Taiwan e do Havaí, de um “Fórum sobre Humanismo”, em que a pergunta central era esta: “Qual é a verdadeira natureza do ser humano?”. As razões das crises globais de hoje e os caminhos para enfrentá-las estiveram no centro das discussões.

Um dos pontos de partida foi a afirmação de que na base dos conflitos está a “dificuldade de conviver com o diferente”, ao lado do pensamento de que “a ciência é a certeza que move o mundo” – pois, ao mesmo tempo que oferece soluções brilhantes para problemas em tantas áreas, é capaz de criar tecnologias complicadoras da vida, estimuladoras do consumo supérfluo, quando não gera catástrofes com bombas nucleares e outras armas de destruição em massa. São alguns dos caminhos que, paralelamente, criam dificuldades de conviver com o próximo e, ao mesmo tempo, a arrogância, a certeza de que a engenharia genética, por exemplo, será capaz de tudo resolver, como observou um dos mestres participantes.

A prática religiosa, foi dito, precisa levar as pessoas a se perguntarem se o ser humano é superior a outras espécies; precisa inflá-lo de coragem para o diálogo; colocar perguntas óbvias, como a de que não é possível fazer a guerra em nome da paz, atropelando outros seres; meditar sobre questões decisivas a respeito do convívio com a natureza, as espécies, os hábitats – e deixar de se ver como o centro de tudo, tendo o ego como a razão central do universo. “Só quando começamos a nos comparar com o que está fora de nós – deixando de olhar apenas para nós mesmos – conseguimos abrir caminhos para a harmonia (…). Todo mundo tem sabedoria (…). Mas se pensarmos que só a ciência é a verdade e o princípio é o eu, pode-se caminhar em direções perigosas”, ponderou um dos palestrantes.

Parece óbvio que todos esses pontos de partida precisam estar sobre a mesa, numa hora de tantas crises de gravidade extrema. Mas como fazê-los prevalecer sem a imposição de leis, políticas, etc.? Que fazer quando, mesmo no auge de campanhas eleitorais, como agora, os temas acabam minimizados ou obscurecidos pelos próprios candidatos, temerosos de que o confronto com pensamento diferente os leve a perder votos? É imperioso que as próprias religiões tragam a público as discussões, manifestem suas posições a respeito do que estamos vivendo. Para que a sociedade se mova e obrigue governantes a agir.

Para ficar em apenas um dos temas mencionados no início deste artigo, não é possível esperar que só em 2015, como está acertado na Convenção do Clima, os países-membros cheguem a um compromisso para entrar em vigor apenas em 2020 e leve à redução de emissões que contribuem para desastres climáticos. Os desastres já estão aí, a elevação da temperatura da Terra, também. Da mesma forma que outros problemas: a umidade do ar, cuja queda a apenas 10% obrigou à decretação do estado de emergência na capital paulista em 21/8; as emissões de gases em áreas urbanas do Brasil, que representam 23% do total na América Latina (Estado, 22/8); ilhas de calor que já afetam cidades médias paulistas, segundo a Universidade Estadual Paulista (Folha de S.Paulo, 2/8); o número de dias com temperaturas acima de 30 graus Celsius, que aumentou 34% em 50 anos.

Um dos principais especialistas em clima e assessor do governo britânico, Bob Watson, afirma (BBC News, 23/8) que está fora de possibilidade, marcada por otimismo excessivo, a visão de que a temperatura terrestre subirá somente até 2 graus em meados do século; a seu ver, ela pode subir até 5 graus. A própria ONU, a Organização Meteorológica Mundial, a Convenção de Combate à Desertificação pedem urgência a todos os países nos esforços para enfrentar a temporada de secas extremas no Hemisfério Norte, que poderá levar à perda de 35% na safra de soja, agravando ainda mais a fome no mundo.

Não há um segundo a perder nas emergências que já estão diante de nós. E é preciso que todas as instâncias – a religiosa incluída – estejam empenhadas em mudanças de paradigmas que nos levem a soluções verdadeiras. Pode parecer patético enveredar por aí. Mas essa é a tarefa inescapável das atuais gerações.

 Washington Novaes é jornalista.


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