O Fórum Estadual de Educação do Rio
de Janeiro, divulga Carta do Rio de Janeiro que aponta desafios e caminhos para as questões educacionais da atualidade, construída de forma conjunta na Plenária Final da Conferência Estadual Popular de Educação Marielle Franco - Conepe RJ. O evento foi realizado entre os dias 23 e 24 de março.
É preciso resistir e produzir
sínteses contra o desmonte da educação pública.
CARTA
DO RIO DE JANEIRO
CONFERÊNCIA
ESTADUAL POPULAR DE EDUCAÇÃO
RIO
DE JANEIRO MARIELLE FRANCO
Os participantes da Conferência Estadual Popular de Educação do Rio de
Janeiro Marielle Franco, etapa estadual da CONAPE, reunidos em plenária, no dia
24 de março de 2018, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, reafirmam
coletivamente o relevante papel da Conferência Nacional
Popular de Educação (CONAPE) na construção da democracia participativa
no âmbito da educação brasileira e da implementação do PNE. Em consonância com
os objetivos da etapa nacional reiteram seu propósito de organizar e manter a
mobilização em torno da defesa do PNE, da necessidade de monitoramento e
avaliação das metas, de acordo com a CONAE 2010 e 2014, da proposição de
medidas e análise crítica daquelas que inviabilizam a efetivação do Plano, em especial
a EC n. 95/2016 que estabelece teto de 20 anos aos gastos públicos federais no
tocante aos direitos sociais.
Reafirmamos a opção do Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro
(FEERJ), manifesta formalmente ao Ministério da Educação, pela realização da
Conferência Estadual Popular (CONEPE), e aqui nos reunimos para discutir
proposições e produzir resistência potente ao estado de exceção a que o país e
o Rio de Janeiro, especialmente, estão submetidos desde o golpe de 2016, que
provocou uma crise político-econômica-institucional profunda na sociedade
brasileira, que nos enche de dor e desesperança mas também nos incita a
resistir e lutar.
Reiteramos, ainda, que sob a condução do FEERJ, espaço democrático e
plural, que oportunizou aprofundar intensamente a participação de todos aqueles
que acreditam e batalham por ideias e práticas em favor de uma educação
universal de e com qualidade, visando favorecer a equidade e a urgente redução
da desigualdade entre grupos sociais e identitários que habitam o estado do Rio
de Janeiro. Assim, os participantes desta Conferência repetem, gritam e
insistem:
NENHUM A MENOS: nem direitos, nem menor autonomia universitária;
nenhuma restrição orçamentária; nem um estudante fora da escola, onde quer que
esteja; nenhuma escola nem qualquer turma fechada; nem um profissional da
educação desvalorizado, vilipendiado, desassistido, mal remunerado, não
reconhecido; nenhum conteúdo acadêmico-científico censurado; nenhuma pesquisa
adiada; nenhuma interdição à escola pública seja na periferia das cidades ou no
campo; nenhum rejeite a matrículas em qualquer turma de qualquer nível e modalidade
de ensino; e nenhum valor que coíba o exercício da formação humana de pessoas
que para construir uma sociedade justa e equânime, protetora do ambiente e
feliz!
Levantamos nossas vozes para denunciar todas as opressões e nossas mãos
para nos irmanarmos na luta cotidiana pela superação de formas de dominação da
humanidade pelo grande capital e seu projeto neoliberal que intensificou, nos
últimos anos, os ataques aos direitos sociais e à classe trabalhadora,
reduzindo a esfera pública e impondo privatizações, ajustes fiscais e cortes de
recursos para a educação, a saúde, a cultura, a assistência e demais políticas
sociais, ampliando o desemprego e a miséria e negando direitos sociais
arduamente conquistados e garantidos pela Constituição Federal de 1988, que em
5 de outubro de 2018 completará 30 anos.
Denunciamos a opção política de desinvestimentos na educação e na
saúde, na ruptura de garantia dos direitos da população, e em cortes
orçamentários nas áreas sociais, cumprindo um projeto econômico que não foi
escolhido pela população nas urnas e que inviabiliza o direito à educação
pública, gratuita, laicae de qualidade socialmente referenciada – este o alvo
preferencial dos ataques do governo golpista de Michel Temer e do Governador Luiz
Fernando Pezão. Os ataques à educação pública objetivam paralisar processos
educativos impulsionadores de mudanças nas estruturas sociais, políticas e
econômicas do país, que contribuem diretamente para a superação das imensas
desigualdades socioeconômicas que cindem a sociedade carioca, fluminense e
brasileira. Exemplificamos com a denúncia de que o único veto à Lei
Orçamentária Anual de 2018 foi à estimativa de recurso extra de R$1,5 bilhão
para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), e a não implementação do
Custo Aluno Qualidade-Inicial (CAQi),demonstrando que, para o governo golpista,
educação não é prioridade e nem é considerada investimento, mas somente despesa
a ser cortada.
Denunciamos que os ataques à educação foram as primeiras ações do
Governo Temer, ao alterar inescrupulosamente a composição do CNE, desmontar e
descaracterizar o FNE e a CONAE, impor um ajuste fiscal que inviabiliza o
cumprimento das metas do PNE o que, na prática, anula o direito à educação de
crianças, jovens e adultos brasileiros. A política entreguista do petróleo, dos
royalties e das riquezas naturais; privatização da água; o avanço exponencial
do privado no dinheiro público, em todos os níveis de ensino; a edição danosa
da reforma trabalhista; a ameaça incessante da reforma da previdência; a
desqualificação permanente do sentido da educação pública de qualidade, ao
editar uma BNCC mecanicista e voltada aos interesses do mercado; a liquidação
do ensino médio; a agressão sem base fática de autoridades universitárias – não
esquecer jamais do suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina
– e de cátedras; de omissão ao desmonte da UERJ – quinta maior instituição de
educação superior brasileira – da UENF, UEZO e da FAETEC que têm resistido
heroicamente ao ataque; as contínuas alterações na formação de professores
representada por editais como PIBID e Residência Pedagógica e omissão do edital
PARFOR e nas políticas que abrigam e defendem a diversidade da população
brasileira – de direitos historicamente interditados, como populações negra, de
mulheres, LGBTT, comunidades quilombolas, caiçaras, povos indígenas,
itinerantes, comunidade surda, pessoas com deficiência e pessoas em situação de
privação de liberdade e em cumprimento de medidas socioeducativas que exigem
reação urgente e qualificada. Denunciamos, por fim, a ação equivocada do
Supremo Tribunal Federal ao permitir o ensino religioso confessional, ferindo o
princípio da laicidade do ensino público.
Reafirmamos que uma de nossas principais tarefas, neste momento, é a
defesa da democracia e do estado democrático de direito. Denunciamos que a
instauração do estado de exceção com o golpe jurídico-midiático-parlamentar que
efetivou o impeachment da presidenta Dilma e a assunção ao poder de Michel
Temer legitima assassinatos como os da companheira Marielle Franco e de
Anderson Gomes, executados enquanto nos encontramos sob intervenção militar no Rio
de Janeiro, que longe de trazer segurança à população tem constituído mais
ameaça à vida das pessoas. Denunciamos, assim, também a intervenção federal no
RJ que traz a marca da crescente militarização dos governos neoliberais no continente
latino-americano, que pode intensificar o extermínio de populações consideradas
indesejáveis e descartáveis para o sistema capitalista, como a juventude negra,
pobre e das periferias.
Denunciamos, enfaticamente, o assassinato de Marielle Franco que, mais
do que mulher, negra, “cria da Maré”, foi liderança que lutava contra políticas
de exclusão e defendia sem tréguas um projeto ético-político socialista,
denunciando a retirada de direitos da classe trabalhadora e ataques à população
mais pobre e estigmatizada; lutava por direitos iguais para todos, sem discriminação
de gênero e orientação sexual, de origem social,padrão econômico,matriz
religiosa ou diversidade étnico-racial.
Denunciamos ainda como grave ameaça à democracia as tentativas do
judiciário de rompimento com o ordenamento legal constitucional e
infraconstitucional, gerando instabilidade jurídica e ameaçando
discricionariamente pessoas e partidos políticos, negando a conquista civilizatória
de presunção de inocência até prova em contrário — arma que pode se voltar
sobre cada um de nós.
Defendemos, de modo intransigente:
✓ a educação como direito de todos e dever do Estado,
duramente conquistado na Constituição Federal de 1988, de caráter irrevogável;
✓ a educação pública a serviço da emancipação humana,
compreendida como investimento, jamais tratada como gasto;
✓ o cumprimento das metas e estratégias do PNE em consonância
com o deliberado na CONAE de 2010 e 2014, nos avanços para assegurar o direito
à educação;
✓ o controle social por meio do planejamento, do
acompanhamento e avaliação da educação básica, revisando o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) demandado pelo PNE 2014-2024, a fim de
superar avaliações padronizadas de larga escala;
✓ o combate à mercantilização e financeirização da
educação;
✓ financiamento exclusivamente público das Instituições
Federais de Ensino Superior, garantindo a excelência do ensino, pesquisa e
extensão e a democratização do acesso a todos os sujeitos;
✓ revisão de políticas de certificação, como o
ENCCEJA, em detrimento da oferta de políticas de atendimento presencial a
jovens, adultos e idosos.
Defendemos, no estado do Rio de Janeiro, de modo intransigente:
✓ autonomia do FEERJ enquanto durar o governo golpista
e não estiver restaurada a institucionalidade democrática no FNE;
✓ a atualização / construção do plano estadual de
educação e acompanhamento / monitoramento sistemático dos planos municipais de
educação com perspectiva democrática e inclusiva;
✓ a construção de uma visão sistêmica educacional,
que assegure a autonomia das escolas e a gestão democrática;
✓ o planejamento da municipalização que respeite a
autonomia e o dever com a educação dos entes federados;
✓ que acesso, permanência, sucesso sejam princípios
para todos os níveis e modalidades de ensino;
✓ o protagonismo dos estudantes que vigorosamente demonstraram
saber que projeto de educação desejam para sua formação e dos profissionais da
educação, garantindo autonomia pedagógica e formação continuada;
✓ a educação de jovens, adultos e idosos como
direito, garantindo a oferta presencial de turmas, escolas e matrículas em
todas as redes educacionais;
✓ financiamento exclusivamente público das universidades
estaduais UERJ, UENF, UEZO e da FAETEC, garantindo a excelência do ensino,
pesquisa e extensão e a democratização do acesso a todos os sujeitos;
✓ financiamento exclusivamente público da educação
básica pública no estado do Rio de Janeiro que garanta as condições de trabalho
dos profissionais e aprendizado dos estudantes.
Em reconhecimento ao papel preponderante e fundamental da luta
empreendida por Marielle Franco na cidade do Rio de Janeiro, o coletivo
presente a esta Conferência aclamou-a Conferência Estadual Popular de Educação
do Rio de Janeiro Marielle Franco.
Reafirmamos, nesta Carta do Rio de Janeiro, que uma de nossas
principais tarefas, neste momento, é a defesa da democracia e do estado
democrático de direito, porque educação se constrói com democracia!
Rio
de Janeiro, 24 de março de 2018.
Plenária
Final da CONEPE RJ.
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