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sábado, 30 de junho de 2012

Declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20



O documento final da Cúpula dos povos sintetiza os principais eixos discutidos durante as plenárias e assembléias, assim como expressam as intensas mobilizações ocorridas durante esse período – de 15 a 22 de junho – que apontam as convergências em torno das causas estruturais e das falsas soluções, das soluções dos povos frente às crises, assim como os principais eixos de luta para o próximo período.

As sínteses aprovadas nas plenárias integram e complementam este documento político para que os povos, movimentos e organizações possam continuar a convergir e aprofundar suas lutas e construção de alternativas em seus territórios, regiões e países em todos os cantos do mundo.
Você também pode ler a carta aqui (em pdf).

Declaração final
Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental
Em defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida

Movimentos sociais e populares, sindicatos, povos, organizações da sociedade civil e ambientalistas de todo o mundo presentes na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, vivenciaram nos acampamentos, nas mobilizações massivas, nos debates, a construção das convergências e alternativas, conscientes de que somos sujeitos de uma outra relação entre humanos e humanas e entre a humanidade e a natureza, assumindo o desafio urgente de frear a nova fase de recomposição do capitalismo e de construir, através de nossas lutas, novos paradigmas de sociedade.

A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores/as familiares e camponeses, trabalhadore/as, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e religiões de todo o mundo. As assembléias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos foram os momentos de expressão máxima destas convergências.

As instituições financeiras multilaterais, as coalizações a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferencia oficial. Em constraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro.

Há vinte anos o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema economico-financeiro.

As múltiplas vozes e forças que convergem em torno da Cúpula dos Povos denunciam a verdadeira causa estrutural da crise global: o sistema capitalista patriarcal, racista e homofobico.
As corporações transnacionais continuam cometendo seus crimes com a sistematica violação dos direitos dos povos e da natureza com total impunidade. Da mesma forma, avançam seus interesses através da militarização, da criminalização dos modos de vida dos povos e dos movimentos sociais promovendo a desterritorialização no campo e na cidade.

Da mesma forma denunciamos a divida ambiental histórica que afeta majoritariamente os povos oprimidos do mundo, e que deve ser assumida pelos países altamente industrializados, que ao fim e ao cabo, foram os que provocaram as múltiplas crises que vivemos hoje.

O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitario sobre los recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessarios à sobrevivencia.

A dita “economia verde” é uma das expressões da atual fase financeira do capitalismo que também se utiliza de velhos e novos mecanismos, tais como o aprofundamento do endividamento publico-privado, o super-estímulo ao consumo, a apropriação e concentração das novas tecnologias, os mercados de carbono e biodiversidade, a grilagem e estrangeirização de terras e as parcerias público-privadas, entre outros.
As alternativas estão em nossos povos, nossa historia, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemonico e transformador.

A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economia cooperativa e solidaria, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética,  são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial.

A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores/as e povos.

Exigimos uma transição justa que supõe a ampliação do conceito de trabalho, o reconhecimento do trabalho das mulheres e um equilíbrio entre a produção e reprodução, para que esta não seja uma atribuição exclusiva das mulheres. Passa ainda pela liberdade de organização e o direito a contratação coletiva, assim como pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes.

Afirmamos o feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito a uma vida livre de violência. Da mesma forma reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.

O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma de sociedade.

Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações.
A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas contra hegemônicas ao sistema capitalista que estão em curso em todos os cantos do planeta

Os processos sociais acumulados pelas organizações e movimentos sociais que convergiram na Cúpula dos Povos apontaram para os seguintes eixos de luta:
  • Contra a militarização dos Estados e territórios;
  • Contra a criminalização das organizações e movimentos sociais;
  • Contra a violência contra as mulheres;
  • Contra a violência as lesbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgeneros;
  • Contra as grandes corporações;
  • Contra a imposição do pagamento de dívidas econômicas injustas e por auditorias populares das mesmas;
  • Pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural;
  • Pela consulta e consentimento livre, prévio e informado, baseado nos princípios da boa fé e do efeito vinculante, conforme a Convenção 169 da OIT;
  • Pela soberania alimentar e alimentos sadios, contra agrotóxicos e transgênicos;
  • Pela garantia e conquista de direitos;
  • Pela solidariedade aos povos e países, principalmente os ameaçados por golpes militares ou institucionais, como está ocorrendo agora no Paraguai;
  • Pela soberania dos povos no controle dos bens comuns, contra as tentativas de mercantilização;
  • Pela mudança da matriz e modelo energético vigente;
  • Pela democratização dos meios de comunicação;
  • Pelo reconhecimento da dívida histórica social e ecológica;
  • Pela construção do DIA MUNDIAL DE GREVE GERAL.
Voltemos aos nossos territórios, regiões e países animados para construirmos as convergências necessárias para seguirmos em luta, resistindo e avançando contra os sistema capitalista e suas velhas e renovadas formas de reprodução.

Em pé continuamos em luta!

Rio de Janeiro, 15 a 22 de junho de 2012.
Cúpula dos Povos por Justiça Social e ambiental em defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida.


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“Só com os 10% do PIB que tiramos a educação da estagnação”



Após muita pressão de movimentos sociais e parlamentares ligados à educação e 18 meses de tramitação, a Comissão Especial da Câmara aprovou por unanimidade a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação. Esse montante era o ponto mais polêmico do Plano Nacional de Educação (PNE), que inicialmente havia sido aprovado, em acordo com o governo, com um índice de investimento da ordem de 8% do PIB para a educação. No entanto, nesta quarta-feira, 26, o relator da matéria, Ângelo Vanhoni (PT-PR), acatou um destaque do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) que aumentava o patamar de 8% para 10% do PIB.

Para ser confirmado, o valor, considerado por especialistas fundamental para qualificar a mão de obra nacional, ainda depende da aprovação do Senado e sanção da presidente Dilma Rousseff.

A decisão foi comemorada por movimentos estudantis e por acadêmicos ligados à área. “Garantir 10% do PIB para a educação é uma melhora substancial, que reduz o atraso do Brasil frente aos países desenvolvidos e emergentes”, afirma o professor Nelson Cardoso Amaral, da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidadade Federal de Goiás (UFG).

Amaral também é autor de um estudo que balizou o Conselho Nacional de Educação (Conae) para a necessidade de ao menos 10% do PIB atrelado ao setor educacional. Segundo ele, o aumento de 5,1% para 7% do PIB (proposta inicial do governo) não significaria um amento da qualidade do ensino no país. “Esse aumento de dois pontos percentuais só supriria a expansão necessária da educação no Brasil, mas a sua qualidade permaneceria estagnada”, diz.

A estagnação citada pelo professor é comprovada no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). De acordo com o indicador, o Brasil frequenta o último pelotão da corrida por uma educação de qualidade, ocupando o 54º lugar entre 65 países. O Pisa também avaliou que, embora o país tenha conquistado 33 pontos na avaliação, entre 2000 e 2009, a maioria dos estudantes brasileiros não conseguiu passar nem do primeiro dos seis níveis de conhecimento.


A hora é agora

O índice de 10% do PIB para a educação não poderia ter vindo em melhor hora, segundo Amaral. Citando dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ministério da Fazenda, o professor da UFG prevê uma queda da população em idade escolar nos próximos anos que, combinada com o crescimento do país, permitirá um aumento do valor investido por aluno.

“Sabemos que 10% do PIB é um valor alto, mas é o que consideramos o ideal para diminuir o atraso educacional brasileiro em relação aos outros países, sem prejudicar demais o orçamento do governo”, pondera. Segundo o professor, países como Estados Unidos, Japão e França investem entre 5% e 6% de seu PIB em educação, mas os valores reais por aluno são muito superiores aos brasileiros.

O próximo passo, para ele, é lutar para que o repasse para a educação permaneça em 10% entre 2020 e 2030. “Essa é uma década fundamental porque teremos um menor número de crianças e um PIB mais elevado. Depois dela, podemos voltar a investir entre 5% e 7% sem perder em qualidade”, explica, defendendo que a educação é necessária para o país ter uma mão de obra qualificada para sustentar seu crescimento.


Reclamação

Após o término da reunião da Comissão Especial da Câmara, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, se apressou para dizer que o aumento do investimento aprovado pela Comissão Especial será uma “tarefa política difícil de ser executada”. De acordo com o MEC, ampliar os investimentos para 10% do PIB “equivale, na prática, ao longo da década, a dobrar em termos reais os recursos para a educação nos orçamentos das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal”.

“Em termos de governo federal equivale a colocar um MEC dentro do MEC, ou seja, tirar R$ 85 bilhões de outros ministérios para a educação”, disse Mercadante, segundo o texto divulgado pelo Ministério.

Apesar das reclamações do ministro, o relator do PNE, deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR), disse que a proposta inicial de 8% “não correspondia às necessidades do país”. “A área econômica nunca quer colocar esses recursos, mas é tempo de priorizar o processo educacional no país”, defende o professor Nelson Amaral. Conforme o texto aprovado nesta terça, 26, a determinação é que se amplie os recursos para educação dos atuais 5,1% do PIB para 7%, no prazo de cinco anos, até atingir os 10% ao fim de vigência do plano. “É uma questão de planejamento e temos dez anos para nos preparar”, diz.

Fonte: Carta capital.


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“Bibliotecas digitais são tesouros escondidos”


Digitalizadas, as bibliotecas no Brasil e no mundo estão deixando os muros físicos para também se hospedarem na internet. Mas isto não significa que elas estão mais acessíveis. Apesar dos milhares de acervos disponíveis on-line, as bibliotecas digitais ainda são consideradas “tesouros escondidos”.

Segundo Moreno Barros, professor de biblioteconomia da UniRio e mestre em ciência da informação, embora o Brasil esteja investindo alto em projetos de digitalização, esses acervos ainda não estão ao alcance de todos. “Existe uma excessiva preocupação com imagens em alta resolução, por exemplo, um formato que só atende grandes pesquisadores, pessoas que de uma forma ou outra já estariam dispostas a frequentar o acervo localmente. Isto não é algo ruim, mas é fato que o público leigo tem mais facilidade de acesso quando as imagens estão em menor qualidade.”

O processo de digitalização, segundo Barros, implica a necessidade de uma abordagem diferente, com foco em uma escala maior de usuários para “atingir virtualmente uma audiência diferente daquela que já se atinge fisicamente”.

Milhares de pessoas poderiam estar navegando pela Biblioteca Nacional Digital, pela França no Brasil ou pela Brasiliana, algumas das principais bibliotecas digitais do país, que permitem aos usuários acessar de forma virtual e gratuita seus arquivos. “Quase ninguém conhece esses acervos, ou somente uma pequena parcela da comunidade de pesquisa acadêmica”, garante Barros.

Outros bons exemplos de bibliotecas digitais seriam a Biblioteca Digital UGF (Universidade Gama Filho) e a Biblioteca Nacional Digital. A primeira, lançada em 2011, é considerada uma das maiores do Brasil. Seu acervo aberto contém teses e dissertações de quase 1.500 universidades, bibliotecas unificadas de 62 países e artigos de 48 mil revistas científicas disponíveis on-line para qualquer pessoa, gratuitamente. Já a segunda, pertence à Biblioteca Nacional e é tida como uma das precursoras do processo de digitalização de publicações e acesso a obras via internet.

Os registros bibliográficos precisam utilizar sistemas de busca mais trabalhados, indexando melhor suas informações na internet.

A digitalização de acervos bibliográficos tem sido um método utilizado, principalmente, como forma de preservar os registros históricos, seja de um grande jornal  – como é o caso do Jornal do Brasil, impresso até 2010 e que digitalizou todas as suas edições –, seja de um periódico local – como o centenário jornal Federação, de Itu (SP), que, no ano passado, colocou todo seu acervo na internet. Até o cientista Albert Einstein inspirou a criação de um site só para abarcar os seus cerca de 80 mil documentos.


Os esconderijos das bibliotecas

Ao pesquisar por uma determinada obra no Google, o sistema de busca tem dificuldade de rastrear as publicações dessas bibliotecas virtuais. Escondidos na internet, os sites das instituições que abrigam grande parte desses acervos virtuais ainda têm navegação precária e softwares não muito amigáveis.

Uma das soluções apontadas por Barros para que usuários encontrem obras nos acervos digitais e também nas bibliotecas físicas mais próximas de suas casas é fazer com que os registros bibliográficos utilizem sistemas de busca mais trabalhados, indexando melhor suas informações na internet. “Se as bibliotecas abrirem seus dados, o Google vai ranquear não apenas os sites de livrarias famosas, mas vai indicar já na primeira página também as bibliotecas físicas mais próximas das casas dos usuários.”

Segundo levantamento realizado pelo 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais, divulgado em 2010, o Brasil possui uma média de 2,67 bibliotecas municipais em funcionamento para cada cem mil habitantes. Todas elas poderiam ser mais facilmente encontradas se melhor ranqueadas nos buscadores.
Para isso, o especialista afirma que será necessário, por exemplo, abolir sistemas que dificultem o rastreamento, como é o caso do java script, muito utilizado nos softwares de biblioteca, que funciona como se fosse uma imagem e não possibilita interação dinâmica com o usuário.

Outra alternativa apontada por Barros, que facilitaria a vida do usuário que busca por um ranking de bibliotecas, é a criação da versão brasileira do WorldCat, uma das principais redes de bibliotecas do mundo, que indica ao usuário onde encontrar livros, CDs, vídeos, resumos de artigos e versões digitais de itens raros nas bibliotecas mais próximas de suas casas.

Para conhecer as principais bibliotecas digitais brasileiras e internacionais, veja a lista indicada por Barros. O especialista, inclusive, tem um projeto para ajudar pessoas a redescobrir e reaprender o significado das bibliotecas na era do Google e do iPad. Para começar, ele propõe um encontro para ensinar as pessoas a economizar dinheiro usando essas bibliotecas. A proposta está em busca de financiamento, via crowd funding, na plataforma do Nós.vc.


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Educação: o que não fazer


Nosso sistema educacional está muito aquém do que poderia, considerando nossa realidade social, econômica e cultural. Ou seja, temos condições objetivas de construir um sistema educacional mais abrangente, de melhor qualidade e muito mais inclusivo. Vamos ver.


Temos condições objetivas para estabelecer um bom sistema educacional

A grande maioria da população brasileira (87%) habita regiões urbanas e, portanto, não tem nenhuma dificuldade de acesso às escolas. Não há, também, mesmo nas menores cidades brasileiras, dificuldades intrínsecas para fixar professores e outros profissionais de educação necessários para implantar instituições de educação básica.

Apenas para ilustrar com uma comparação internacional: dos quase 20 países com percentuais da população vivendo em regiões urbanas entre 80% e 90%, apenas dois apresentam taxas de analfabetismo de jovens e de jovens adultos (de 15 a 24 anos) maiores que as nossas, Arábia Saudita e Gabão (os dados são da Unesco Institute for Statistics). Nossa taxa de analfabetismo nessa faixa etária é típica de países nos quais cerca de 40% da população é rural, portanto muito menos urbanizados do que o nosso. 

Evidentemente, não se está argumentando que jovens que vivam em zonas rurais possam ser analfabetos: o que se está mostrando é que não temos nenhuma dificuldade em fixar crianças ou jovens no sistema educacional que possa ser atribuída ao local de moradia das pessoas. Em resumo, muitos dos nossos jovens analfabetos de 15 a 24 anos moram, ou moraram, na idade em que poderiam ter sido alfabetizados, ao lado de escolas.

A renda per capita tampouco é um fator que possa explicar nosso atraso educacional. Embora ela não seja elevada, mais investimentos em educação – e, portanto, mais crianças e jovens ocupados com a frequência escolar e um maior número de pessoas se dedicando à atividade educacional – não comprometeriam outras atividades essenciais, diferentemente do que poderia acontecer em países muito pobres. Novamente, apenas um exemplo: países com renda per capita aproximadamente igual à brasileira apresentam, em média, taxas de matrícula no ensino superior cerca de 50% acima das nossas. Ou seja, apesar das enormes concessões feitas à qualidade, estamos ainda muito aquém do que poderíamos estar.

Não temos, também, problemas com grande diversidade linguística, fator que dificulta a escolarização das crianças e jovens e a formação de professores em alguns países, pois praticamente a totalidade do país fala a mesma língua. Muitos países apresentam limitações impostas pelas tradições religiosas. Entre elas estão a obrigatoriedade de se ensinar conceitos ligados a religiões, reservar horários para as atividades religiosas, destinar recursos para o financiamento de instituições de formação religiosa ou mesmo, em casos extremos, dificultar a frequência escolar de meninas. Nenhuma dessas limitações está presente no Brasil.

Não tivemos, também, guerras internas ou externas, o que poderia criar dificuldades educacionais pela necessidade de se reconstruir a infraestrutura destruída, pela perda humana que compromete a formação da força de trabalho do país, pelo número de órfãos provocados pela guerra, etc. Não está tampouco aí a explicação para nossas dificuldades.

Em resumo, não temos nenhuma impossibilidade real de construir um sistema educacional democrático, igualitário e de boa qualidade. Essa afirmação pode ser corroborada pelos fatos de que muitos países com condições equivalentes às nossas têm sistemas educacionais muito melhores, e muitos países hoje considerados como desenvolvidos conseguiram, quando suas realidades econômicas eram equivalentes às nossas atuais, desenvolver seus sistemas educacionais de forma muito melhor do que fazemos hoje.


Então, se não há explicações de por que chegamos aonde chegamos, o que fizemos de errado?

Se tivéssemos cometido apenas alguns poucos erros, provavelmente nossa situação seria bem melhor do que é. Entretanto, cometemos muitos erros.

A educação infantil é caracterizada por um baixíssimo atendimento (menos de 20% das crianças até quatro anos de idade frequenta creches), por um atendimento grandemente terceirizado e feito de forma não profissional, com consequências na escolarização e no desenvolvimento futuros das crianças. Muitos veem as creches não como um espaço educativo, mas como coisas “importantes para as famílias que precisam trabalhar e não têm com quem deixar os filhos menores”, como consta do blog de um deputado federal.

Atendendo a poucas crianças e com práticas e conceitos totalmente errados, nossa educação começa mal.
Nos períodos de êxodo rural, fato que ocorreu principalmente nas décadas de 1960 e 1970, as cidades receberam muito mal seus novos habitantes, com evidências no setor habitacional, que perduram até hoje e com graves consequências na escolarização. Nesse período, em especial na década de 1970, houve um grande aumento da população urbana e, portanto, do número de matrículas no ensino fundamental, mas sem o correspondente aumento nos recursos materiais. Assim, a escola pública iniciou um processo de decadência, coincidindo com o período no qual as escolas privadas passaram a atender as elites.

Esse período foi marcado por vários discursos que objetivavam desqualificar o sistema público de ensino e seus profissionais, fornecendo, assim, as bases (ideológicas?) para seu sucateamento. Uma sala de aula vazia ou uma escola pública que não era integralmente utilizada (porque, por exemplo, grande parte da população a que atendia migrou para outras regiões da cidade, mas ainda havendo pessoas a serem atendidas na mesma região e, portanto, necessidade da escola) eram usadas como pretensos exemplos de ociosidade do sistema. O afastamento de professores por problemas de saúde não era tratado como um problema de… saúde, mas, sim, segundo até mesmo ocupantes de altos cargos na área educacional, como sendo uma evidência da postura irresponsável daqueles profissionais. Esses e outros discursos equivalentes levaram à criação de uma falsa frase, abundantemente usada até mesmo por ocupantes de secretarias de educação, de que “dinheiro, tem; o problema é que é mal utilizado”. Discursos como esses foram usados como base para fazer com que a população aceitasse o sucateamento do sistema público de educação básica.


Nosso ensino superior: insuficiente, privatizado e, consequentemente, ruim

Muitos erros afetam o ensino superior. Um deles é o despreparo dos estudantes que chegam às suas portas, principalmente daqueles quase 90% oriundos das escolas públicas, com falhas graves em sua formação básica e que, em grande parte, enfrentaram e enfrentam dificuldades materiais muito intensas. Esse fato já seria suficiente para dificultar o desenvolvimento de um ensino superior de qualidade. Mas outros se superpõem a eles.

Talvez o problema mais grave seja a privatização desqualificada e desqualificadora desse nível de ensino. O enorme aumento da privatização (75% dos estudantes estão matriculados em instituições privadas) ocorreu, em especial nas últimas décadas, por meio de instituições mercantis, fortemente comprometidas com suas planilhas financeiras. O limitadíssimo controle federal e estadual, que deveria assegurar a qualidade dos cursos, é totalmente insuficiente para enfrentar o poder dos controladores daquelas instituições. Os cursos oferecidos por elas e os locais em que se instalam têm como principal critério, se não único, a viabilidade financeira do empreendimento, não as necessidades da população, das diferentes regiões do país ou das várias profissões. Assim, são oferecidos cursos que em nada contribuem para o país e que levam a um rebaixamento dos critérios de julgamento, por parte da população, do que seja uma instituição de ensino superior e uma universidade.

Esses cursos e instituições são favorecidos por programas de subsídios ou financiamento direto, tanto por parte do governo federal como de governos estaduais, que têm por objetivo viabilizar os empreendimentos, e não promover o ensino superior no país. Evidência de que essa afirmação é verdadeira são os critérios adotados pelos programas governamentais de subsídio, que ignoram totalmente as áreas de conhecimento dos cursos oferecidos, a região geográfica onde se instalam e a qualidade dos cursos. Essa privatização fez com que o Brasil apresente uma distribuição de estudantes pelas diferentes áreas de conhecimento em total desacordo com nossas necessidades e com a prática dos países que levam educação a sério.

Mais recentemente, em especial após 2005, tivemos um aumento absolutamente irresponsável dos cursos a distância. Atualmente, temos um número de vagas nessa modalidade de ensino, e nas mãos de instituições privadas, praticamente equivalente ao número de formados no ensino médio. Quando o número de vagas em cursos presenciais, também controladas pelo setor privado, já é maior do que o número de concluintes do ensino médio e muito maior do que as realmente ocupadas, algumas perguntas óbvias, e cujas respostas podem ser assustadoras, são: o que se pretende com isso? Por que os responsáveis pela educação no país, em especial em nível federal, permitiram que isso acontecesse?


Avaliem as avaliações

Todo o nosso sistema educacional é acompanhado de um enorme sistema de avaliação. Avaliações são coisas úteis, pois permitem acompanhar o desenvolvimento de várias atividades, localizar problemas e, portanto, agir. Entretanto, não é para isso que a avaliação está sendo usada no Brasil. Muitas vezes, um novo sistema de avaliação é apresentado como alguma coisa (ele mesmo) que terá o poder de corrigir os problemas.

Outro uso bastante amplo da avaliação é para premiar ou punir professores segundo o desempenho de seus alunos nas avaliações. Uma comparação entre dois países, a Finlândia e os Estados Unidos, este último adotando tal prática de prêmio/punição enquanto o primeiro repudiando-a veementemente, mostra, com clareza, que o efeito desse tipo de uso das avaliações é intensamente negativo. Um sistema monitorado por testes, voltado para os testes e que remunera ou pune professores em função dos resultados de seus estudantes em testes é ruim até mesmo para se obterem bons resultados em testes: os estudantes finlandeses se saem melhor em testes padronizados, aplicados a estudantes de vários países, do que seus colegas norte-americanos.

Os resultados das avaliações do sistema educacional deveriam ser considerados como instrumentos de ação, objetivando localizar e corrigir políticas e práticas. Entretanto, sua exacerbação e seu uso como instrumento de propaganda governamental em todos os níveis contribuem para que a educação seja vista como mercadoria e os resultados das avaliações como uma informação útil para que cada um possa, dentro de suas possibilidades financeiras, comprar aquela que, cabendo em seus bolsos, melhor atenda seus interesses. Evidência disso são frases como esta, “na importante missão de escolher o melhor para nossos filhos, segue lista das melhores escolas, considerando o Enem”, pega ao acaso na internet, mas repetida à exaustão a cada vez que um novo resultado desse exame é divulgado.

Nas honestas palavras da secretária de educação de um grande município e que aparecem na sua página eletrônica, “a avaliação do desempenho dos alunos na esfera municipal permitirá, também, melhorar o desempenho deles para (sic) as avalições estaduais”. Mas ela está enganada. Repetindo a comparação entre Finlândia e Estados Unidos, um sistema educacional sólido, responsável, respeitador de professores e avesso às avaliações por meio de testes padronizados é melhor até mesmo para se obterem bons resultados em testes padronizados.

O uso que se faz das avaliações e de seus resultados reflete como a educação é vista e entendida pelos responsáveis por sua oferta.


Conclusão

Esses fatos, que apenas ilustram, mas não esgotam os problemas que acumulamos, não são exatamente erros, mas, sim, a própria política educacional implantada no país: um sistema educacional excludente, sem nenhum compromisso com os ideais igualitários, de baixa qualidade, insuficiente, muito aquém daquilo que poderíamos ter e que desrespeita professores e estudantes. Evidentemente, suas consequências são e serão terríveis: reproduzimos as desigualdades, não formamos os quadros de que o país tanto precisa, não damos a todos as mesmas oportunidades de se desenvolverem como pessoas e marginalizamos enormes contingentes populacionais. É necessário reverter essa situação e, para isso, precisamos fazer exatamente o inverso do que fizemos até agora.

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP e foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).


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