sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A ótica da evolução cósmica nos devolve esperança

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor

Esqueçamos por um momento nossa visão normal das coisas e tentemos fazer uma leitura de nossa crise atual nos marcos do tempo cósmico. Talvez assim a entendamos melhor, a relativizemos e ganhemos altura em função da esperança.

O tempo do Cosmos

Imaginemos que os mais ou menos 13 bilhões de anos de história do universo, sejam condensados em um único século. Cada "ano cósmico” seria equivalente a cento e treze milhões de anos terrestres.

Deste ponto de vista, a Terra nasceu no ano 70 do século cósmico e a vida apareceu nos oceanos, para nossa surpresa, logo depois no ano 73. Durante quase duas décadas cósmicas ela ficou praticamente limitada a bactérias unicelulares.

No ano 93, uma nova fase criativa se iniciou com o aparecimento da reprodução sexual dos organismos vivos. Estes, junto com outras forças, foram responsáveis por mudar a face do planeta, já que eles transformaram radicalmente a atmosfera, os oceanos, a geologia da Terra. Isso permitiu ao nosso planeta sustentar formas de vida mais complexas. Grande parte da biosfera é criação desses micro-organismos.

Nessa nova fase, o processo evolutivo se acelerou rapidamente. Dois anos mais tarde, no ano 95, os primeiros organismos multicelulares apareceram. Um ano mais tarde, em 96, assistimos ao o aparecimento de sistemas nervosos e em 97 aos primeiros organismos vertebrados. Os mamíferos aparecerão nos meados de 98, ou seja, dois meses depois dos dinossauros e uma imensa variedade de plantas.

Há cinco meses cósmicos os asteróides começam a cair sobre a Terra destruindo muitas espécies, incluindo os dinossauros. Entretanto, um pouco depois a Terra, como que se vingando, produziu uma diversidade de vida, como nunca antes.

É nesta era, quando apareceram as flores, que nossos ancestrais entraram no cenário da evolução. Logo se tornaram bípedes (há 12 dias cósmicos), e com o homo habilis começou a usar ferramentas (há 6 dias cósmicos), enquanto o homo erectus conquistou o fogo (há apenas um dia cósmico). Há doze horas cósmicas, os humanos modernos (homo sapiens) surgiram.

Pela tarde e durante a noite deste primeiro dia cósmico, nós vivíamos em harmonia com a natureza e atentos a seus ritmos e perigos. Até quarenta minutos atrás, nossa presença teve pouco impacto sobre a comunidade biótica, momento no qual começamos a domesticar plantas e animais e a desenvolver a agricultura. A partir de então, as intervenções na natureza foram se tornando cada vez mais intensas até quando, há vinte minutos, começamos a construir e habitar cidades.

Somente há apenas dois minutos, o impacto se tornou realmente ameaçador. A Europa se transformou numa sociedade tecnológica e expandiu seu poder através da exploração colonialista. Nesta fase se formou o projeto-mundo, criando um centro com várias periferias e o fosso entre ricos e pobres.

Nos últimos doze segundos (a partir de 1950) o ritmo de exploração e destruição ecológica se acelerou dramaticamente. Neste breve período de tempo, derrubamos quase metade das grandes florestas. Nos próximos vinte segundos cósmicos as temperaturas da Terra subiram 0,5ºC e podem, dentro de pouco, chegar até 5ºC colocando em risco grande parte da biosfera e milhões de pessoas. Nos últimos cinco segundos cósmicos, a Terra perdeu uma quantidade de solo equivalente a toda terra cultivável da França e da China e foi inundada por dezenas de milhares de novos produtos químicos, muitos dos quais altamente tóxicos que ameaçam as bases da vida.

Já agora estamos dizimando entre 27-100 mil espécies de seres vivos por ano. Nos próximos 7 segundos cósmicos, cientistas estimam que entre 20 a 50% de todas as espécies irão desaparecer. Quando isso vai parar? Por que tanta devastação?

Respondemos: para que uma pequena porção da Humanidade tivesse o desfrute privado ou corporativo dos "benefícios” deste projeto de civilização. Os 20% mais ricos ganham atualmente duzentas vezes mais que os 20% mais pobres. No começo de 2008, antes da crise econômico-financeira atual, havia cerca de 1195 bilionários, que, juntos, detinham 4,4 trilhões de dólares, ou seja, mais ou menos o dobro da renda anual dos 50% mais pobres. Em termos de renda, os 1% mais ricos da Humanidade recebiam o equivalente que os 57% mais pobres.

O tempo da Terra

Nosso planeta, fruto de mais de quatro bilhões de anos de evolução, está sendo devorado por uma relativa minoria humana. Pela primeira vez na história da evolução da Humanidade, os problemas referidos acima são principalmente causados por essa minoria e também, em menor proporção, por todos nós. Os perigos criados colocam em xeque o futuro de nosso modo de viver.

Entretanto, se por um lado enfatizamos a gravidade da crise, por outro, não queremos projetar visões apocalípticas que só nos causariam paralisia e desespero. Se estes problemas foram criados por nós, poderão também ser desfeitos por nós, embora alguns sejam já irreversíveis. Isso significa que há esperança de solucioná-los satisfatoriamente.

Efetivamente, quem acompanhou a Cúpula dos Povos em julho ultimo no Rio de Janeiro ou participou dos Fóruns Sociais Mundiais se dá conta de que há milhares e milhares de pessoas conscientes e criativas, vindas do mundo inteiro, trabalhando na formulação de alternativas práticas que podem permitir à Humanidade viver com dignidade e sem afetar a saúde dos ecossistemas e da Mãe Terra.

Temos informações e conhecimentos necessários para solucionar a atual crise. O que nos falta é a ativação da inteligência emocional e cordial que nos suscitam sonhos salvadores, solidariedade, compaixão, sentimentos de interdependência e de responsabilidade universal.

Importa reconhecer que todas as ameaças que enfrentamos, comparecem como sintomas de uma doença crônica cultural e espiritual. Ela afeta a todos; mas, principalmente, os 20% que consomem a maior parte da riqueza do mundo. Esta crise nos obriga a pensar num outro paradigma de civilização, porque o atual é demasiadamente destrutivo. É o que viemos escrevendo com frequência em nossos artigos.

Tempos de crise podem ser também tempos de criatividade, tempos no quais novas visões e novas oportunidades aparecem. O kanji chinês para crise, wei-ji, é o resultado da combinação dos kanjis para perigo e para oportunidade(representados por uma poderosa lança e por um escudo impenetrável). Isto não é uma simples contradição ou um paradoxo; os perigos reais nos forçam buscar as causas profundas e a procurar alternativas para não desperdiçar as oportunidades.

Para a nossa cultura, a crise se deriva da palavra sânscrita kri que significa purificar e acrisolar. Portanto, se trata de um processo, certamente doloroso, mas altamente positivo de purificação de nossas visões e que funciona como um crisolde nossas atitudes ético-espirituais. Ambos os sentidos, o chinês e sânscrito, são iluminadores.

O nosso tempo

Temos que revisitar as fontes de sabedoria das muitas culturas da Humanidade. Algumas são ancestrais e chegam a nós através das mais diversas tradições culturais e espirituais. Fundamental é a categoria do "bem viver” das culturas andinas. Outras são mais modernas como a ecologia profunda, o feminismo e ecofeminismo, a psicologia transpessoal e a nova cosmologia, derivada das ciências da complexidade, da astrofísica e dos novos saberes da vida e da Terra.

Termino com o testemunho de duas notáveis ecologistas e educadoras norte-americanos, Macy e Brown que asseveram: "A característica mais extraordinária do atual momento histórico da Terra não é que estejamos a caminho da devastação de nosso planeta, pois já o estamos fazendo há muito tempo; é que estamos começando a acordar, de um sono milenar, para um novo tipo de relação para com a natureza, a vida, a Terra, os outros e para conosco mesmo. Esta nova compreensão tornará possível a tão ansiada Grande Transformação” (Macy e Brown, Nossa vida como Gaia, 2004, 37). E ela virá por graça da evolução e de Deus.

Fonte: Adital


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Filosofilmar



A história da relação entre filosofia e cinema pode ser escrita de muitas maneiras. Posso dizer que prefiro “estória”, ainda que digam os dicionários essa palavra não exista. O que farei doravante não é mais que apresentar superficialmente algumas linhas de aproximação.

A relação sempre foi tensa. Os filósofos nem sempre se deixaram levar pelo cinema, ou ao cinema, pacificamente. Talvez pela natureza bastante antirracional e imóvel que a plateia assume na sala de cinema, como se, ao entrar nela, entrasse na caverna de Platão. O cinema, ao contrário, sempre levou a filosofia às telas. Arrisco dizer que o cinema sempre levou a filosofia além de si.

Projeções de simulacros, representações falsas do real, ou mesmo cópia da cópia imperfeita do mundo sensível, feita de imagens e pseudoconceitos, seja lá o que for, o cinema não é a arte mais apreciada pelos filósofos, que comumente preferem a linearidade e a facilidade para a dedução do texto escrito, ou as artes feitas diretamente pela mão do homem. Não podemos deixar de notar que a proximidade entre o cinema e o mito (ou alegoria) fundador da filosofia faz pensar que à filosofia, em sua busca pelo conceito, cabe o papel de desmistificar as imagens impuras do cinema. Ou então, que ao cinema cabe a função meramente apaziguadora e, portanto, secundária, de aliviar a mente após o sério e pesado exercício intelectual – assim era que Wittgenstein se dizia fã dos filmes de Carmem Miranda ou de westerns.

Contemporâneo do nascimento da sétima arte, Bergson é o inventor de uma ideia que Gilles Deleuze tornará bastante famosa: a imagem-movimento, apresentada em seu livro Matéria e Memória, de 1896.

Mas é só no quarto capítulo de A Evolução Criadora, de 1907, que a ligação com o cinema aparece. O capítulo se chama “O mecanismo cinematográfico do pensamento e a ilusão mecanicista”, e nele Bergson afirma categoricamente: “o mecanismo de nosso conhecimento vulgar é cinematográfico”. Em outras palavras, o pensamento se move cinematograficamente, imagem em movimento em ação. A maneira como nosso aparato cognitivo reproduz o devir, a flexibilidade e a variedade da vida, é a mesma maneira como o cinematógrafo reproduz o movimento a partir de fotografias estáticas – criando a ilusão do movimento pela sucessão muito rápida das fotografias individuais. Nosso aparelho cognitivo, incapaz de registrar os detalhes e particularidades inumeráveis do devir, compõe artificialmente uma imagem geral em movimento, abstraída de várias outras imagens de estados particulares. Nossa percepção, nossa inteligência e nossa linguagem, assim, dão-nos ilusões, imitações imperfeitas e infiéis do devir:

“Em vez de nos prender ao devir interior das coisas, colocamo-nos fora delas para recompor o seu devir artificialmente. Temos visões quase instantâneas da realidade que passa e, como elas são características dessa realidade, basta-nos alinhá-las ao longo de um devir abstrato, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecimento, para imitar o que há de característico nesse mesmo devir. Percepção, intelecção, linguagem em geral procedem assim. Quer se trate de pensar o devir ou de exprimi-lo, ou até de o perceber, o que fazemos é apenas acionar uma espécie de cinematógrafo interior.” (p. 333).

Para Bergson, pensar cinematograficamente não é bom. Na verdade, a nossa única maneira de pensar capta mal o movimento do devir. Justamente por proceder cinematograficamente, troca o movimento real por um falso movimento, uma ilusão de movimento. Temos de aceitar essa nossa imperfeição: nosso pensamento cinematográfico falsifica o real.

O juízo negativo sobre o cinema é repisado até por alguns de seus entusiastas. Levando o cinema a sério, Walter Benjamin o compreendia no contexto da perda da aura das obras de arte. “Aura” é uma noção benjaminiana para designar o conjunto de características que fazem de uma obra de arte o que ela é: o fato de ter sido feita por um artista, em dado momento histórico e social definido, dá a uma obra de arte sua originalidade, sua unicidade e sua historicidade. Uma cópia, por isso, não tem o mesmo valor. Já o cinema é produzido industrialmente, e não por um único artista. A estética cinematográfica dependeria completamente de suas condições industriais de produção e reprodução: obras de arte (re)produzidas tecnicamente por máquinas, como quaisquer outras mercadorias, fotografias e filmes não têm a aura de uma pintura, uma escultura ou mesmo uma apresentação teatral. Por serem objetos de consumo de massa, reprodutíveis ad infinitum, perderiam o caráter de fenômeno histórico único e original das obras de arte tradicionais. Assim é que o cinema, ainda mais que a fotografia, traduziria perfeitamente a desmistificação e a reificação da realidade social moderna, jogando nas telas as imagens vivas de um mundo em que tudo é comercializável, substituível e superficial. É nessa chave que devemos entender o elogio benjaminiano a Chaplin: denunciador da alienação da classe trabalhadora, Chaplin mostraria como ninguém o lado negativo do nosso mundo, o mesmo mundo em que nasce o cinema. Uma marca negativa de nascença da qual a correta utilização política o livraria, assim como só uma revolução poderia transformar o mundo para melhor.

Benjamin, escrevendo na década de 1930, preocupava-se com a ascensão do nazifascismo na Europa e com a utilização do cinema como instrumento de propaganda política. Apesar de crítico, Benjamin não evita o juízo sobre o papel secundário do cinema relativamente à política – o cinema seria um meio, certamente privilegiado, de produção e transmissão de ideologia política, mas ainda assim um meio. Sua principal tese quanto à natureza estética do cinema é a da tactilidade da imagem. Em outras palavras, a imagem cinematográfica é táctil, isto é, toca a percepção humana de uma maneira como nenhuma outra arte o faz. Pela combinação de imagem e movimento, a construção cinematográfica do espaço-tempo provoca um choque perceptivo no observador, a tal ponto que o distrai completamente, absorvendo-o. A ilusão de realidade assim atingida é incomparável. Outra aura parece surgir, uma nova fascinação nasce da exposição aliada à reprodução em massa. Por isso mesmo o cinema presta-se tão bem a usos políticos.

A conclusão de Benjamin é direta: se o fascismo utiliza o cinema para estetizar a política e, com isso, produzir alienação em massa, por que é que o comunismo não faz o mesmo? Ora, Benjamin não desaprova a utilização instrumental do cinema, mas apenas a finalidade ideológica com a qual ele é utilizado. Em lugar de usar filmes para espetacularizar desfiles militares, ele defende a politização da estética. Ao contrário do fascismo, o comunismo deveria se aproveitar da peculiar estética cinematográfica para conscientizar, e não alienar as massas. Nada do que vemos na tela é real; podemos mudar ou não o real, conforme a ficção projetada nos persuadir a uma ou outra forma de conduta e pensamento.

Levou algum tempo para os filósofos abandonarem essa maneira de ver o cinema. Edgar Morin, por exemplo, chegou mesmo a trabalhar em cinema e ajudou a definir um gênero próprio de documentário, o cinéma-vérité, cujo marco inicial é considerado ser Crônica de um Verão, de 1961, correalizado por Morin em parceria com Jean Rouch. Podemos citar mesmo Guy Debord, ou então Terrence Malick, que também lecionou filosofia no Massachusetts Institute of Technology. O orientador de Malick foi Stanley Cavell. Ele e Gilles Deleuze, na França, podem ser considerados pioneiros filósofos a desenvolverem uma substancial reflexão filosófica própria e específica sobre o cinema, sem inferiorizá-lo frente a formas mais tradicionais de arte e pensamento. Tanto um como outro se perguntam: o que é feito do pensamento no cinema? Qual a especificidade do pensamento cinematográfico? E, com essas perguntas, apresentam uma tese muito forte: cinema é pensamento, cinema é linguagem, sem nada dever a nenhum real exterior ou quaisquer outras formas de pensamento e linguagem.

Não vou, aqui, desenvolver uma reflexão sobre as ideias de Cavell e Deleuze sobre o cinema, inclusive porque me falta competência para tal. Quero, antes, apresentar mui resumidamente as ideias de Jean Epstein (1897-1953) e André Bazin (1918-1958). E isso pela simples razão de mostrar que pensadores do cinema também filosofam e com muita propriedade. Afinal, filosofar não é uma atividade peculiar a um profissional chamado filósofo (e, segundo o meu juízo, a profissionalização da filosofia levou a uma decadência atroz).

Para Jean Epstein, a máquina cinematográfica tem uma inteligência própria, ela é um verdadeiro “filósofo-robô cinematográfico”: “O cinematógrafo é um desses robôs intelectuais, ainda parciais, que, com a ajuda de dois sentidos foto e eletro-mecânicos e de uma memória registradora fotoquímica, elabora representações, quer dizer, um pensamento, no qual reconhecemos os quadros primordiais da razão” (p. 48). Diferentemente de Walter Benjamin, que entendia a câmera como mero aparelho técnico capaz de aumentar a percepção humana, de ver o que o olho humano naturalmente não vê, Epstein chama atenção a que o cinema coloca em questão o próprio conhecimento. Não se trata apenas de servir de auxílio aos sentidos humanos; o cinema constrói percepções inéditas, novas representações, faz-nos ver o invisível, dá-nos a conhecer o que de outra maneira seria incognoscível. Mais: unindo o olho inconsciente e automaticamente passivo da câmera ao olho consciente e subjetivamente ativo do cineasta, o cinema dá corpo vivo à contradição.

Para Epstein, o cinema cria um mundo em que os tradicionais dualismos filosóficos tornam-se obsoletos (sensível/inteligível, pensamento/coisas, real/irreal, sonho/vigília, etc.) e, assim, vai além da filosofia (Le cinéma et les au-delà de Descartes é título de um de seus artigos). Ligando espaços e tempos de maneira nova e como só ele pode fazer, o cinema desbanca uma concepção linear da história e, assim, faz nascer um novo pensamento visual, capaz de traduzir de maneira inédita a complexidade do mundo. Não à toa Deleuze dirá que Epstein, ao fazer a defesa do caráter diabólico do cinema (Le cinéma du diable, outro de seus escritos), consegue ver continuidade e mistura onde antes a filosofia só via dualismo e separação.

A filosofia do cinema dá um salto qualitativo com Jean Epstein. Com André Bazin, ela afirma definitivamente sua autonomia. E, se com Epstein temos que o cinema cria uma realidade própria, por outros meios incognoscível, com Bazin voltamos ao questionamento das relações entre o cinema e nossa realidade por meio do questionamento da realidade do cinema. Ao tentar responder sem rodeios o que é o cinema, Bazin inicia a mais filosófica das investigações cinematográficas: a ontologia do cinema.

O ponto de partida de Bazin é a fotografia. Em Ontologia da imagem fotográfica, de 1945, ele escreve:
“A originalidade da fotografia em relação à pintura reside, pois, na sua objetividade essencial. Tanto é que o conjunto de lentes que constitui o olho fotográfico em substituição ao olho humano denomina-se precisamente ‘objetiva’. Pela primeira vez, entre o objeto inicial e a sua representação nada se interpõe, a não ser um outro objeto. Pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervenção criadora do homem, segundo um rigoroso determinismo. A personalidade do fotógrafo entra em jogo somente pela escolha, pela orientação, pela pedagogia do fenômeno; por mais visível que seja na obra acabada, já não figura nela como a do pintor. Todas as artes se fundam sobre a presença do homem; unicamente na fotografia é que fruímos da sua ausência. (…) Nesta perspectiva, o cinema vem a ser a consecução no tempo da objetividade fotográfica. O filme não se contenta mais em conservar para nós o objeto lacrado no instante (…). Pela primeira vez, a imagem das coisas é também a imagem da duração delas, como que uma múmia da mutação” (pp. 13-14).

Parafraseando a tese de Bergson, Bazin confere a ela valor positivo. Para Bazin, o cinema revela o real e esse real revelado não é isento de mística, não é absolutamente objetivo. O cinema não faz somente cópia do real. O cinema não se deixa reduzir a registro documental do real, ainda que seja útil a arquivos históricos. O cinema revela o real ao participar de seu ser, de seu devir, repercutindo nele, ricocheteando nele de certa maneira, tocando “a carne e o sangue da realidade”, de maneira a nos impor uma tomada de consciência.

O modelo e o exemplo de Bazin é o cinema italiano do pós-guerra, especificamente o neorrealismo, ou, como ele prefere, alguns filmes dos diretores neorrealistas, por ele analisados magistralmente em O realismo cinematográfico e a escola italiana da Liberação. Em 1959, em entrevista para a revista Cahiers du Cinéma, Roberto Rossellini fez uma declaração que ficou famosa: “As coisas estão aí, por que manipulá-las?”. É justamente esse ponto que interessa a Bazin. O cinema de Rossellini, De Santis, Visconti e De Sica implica uma tomada de consciência do real que produz a “imagem-fato”. Numa carta ao editor da revista Cinema Nuovo, publicada com o título “Defesa de Rossellini”, Bazin afirma que a diferença entre o artista realista tradicional (Émile Zola, por exemplo) e o neorrealista (Rossellini, especificamente) está em que o primeiro analisa a realidade e, de acordo com sua moral, reconstrói essa realidade por meio de uma síntese expressa em suas obras; o segundo, diferentemente, filtra a realidade por meio de sua consciência. O que o diretor neorrealista exprime em seus filmes, assim, é um recorte de real escolhido conscientemente. Mas essa escolha não é moral, ou estética, é ontológica, “no sentido de que a imagem da realidade que nos é restituída permanece global, da mesma maneira, se quiserem uma metáfora, que uma fotografia em preto-e-branco não é a imagem da realidade decomposta e recomposta ‘sem a cor’, mas uma verdadeira marca do real” (p. 352). Ora, o que Bazin afinal afirma é que a imagem do cinema neorrealista é um signo do real, do tipo que foca nossa atenção em fatos particulares e, com isso, metonimicamente significa o real (um signo indicial, se usarmos a terminologia de Peirce).

Eis o ponto: é justamente essa visada específica, que recorta dos fatos o que interessa ao olhar do diretor, mas sem deformá-los, que acarreta uma tomada de consciência. Chegamos a construir o sentido ao vermos passar na tela um fragmento de real após o outro, junto com outros – eis porque Bazin prefere o plano-sequência à montagem, a concatenação das imagens-fatos ao corte que produz o conflito. Há, na tela, um ganho, um a mais de realidade. O filme ganha sentido justamente porque não pretende dar sentido ao que já se basta a si mesmo. E em cada caso, esse ganho é algo diferente: “a beleza plástica das imagens, o sentimento social, a poesia, o cômico, etc.” (p. 354).

Bazin desculpa-se por falar em metáforas, “não sou filósofo”, diz ele. A importância filosófica de suas reflexões não pode, porém, ser posta em dúvida. O cinema é ser em ato, sua realidade se faz durante e a cada seu aparecimento – nenhuma aparência é desqualificada em nome de uma essência superior e oculta. Mais uma vez, caem por terra os dualismos tradicionais, borram-se as distinções entre obra e modelo e mostram-se porosas e pouco resistentes as fronteiras entre real e irreal. Eis uma costura Epstein-Bazin: “O cinema é a realidade 24 quadros por segundo”, dirá Godard.

Que diriam Epstein e Bazin das telas de LCD, dos pixels, das imagens eletrônicas? Sua capacidade de auto-organização, que emula a de organismos biológicos vivos a partir de matrizes matemáticas, parece confirmar o que os dois autores diziam sobre a realidade cinematográfica. Parece que o cinema consegue mostrar algo que a filosofia muito tentou e pouco conseguiu demonstrar, ao menos desde que a filosofia é filosofia.

Cassiano Terra Rodrigues é professor de filosofia da PUC-SP.


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Superar analfabetismo nas comunidades rurais é um dos principais desafios do campo, diz ONG

Superar o analfabetismo nas comunidades rurais no país ainda é um dos principais desafios para os movimentos de trabalhadores do campo brasileiro. A afirmação foi feita na terça-feira (21) pela integrante da Via Campesina no Ceará, Maria de Jesus dos Santos, durante palestra no segundo dia do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que terminou no dia 22 agosto, em Brasília.

Segundo Maria, que citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos cerca de 14 milhões de analfabetos existentes no país, quase cinco milhões são camponeses.

“O analfabetismo no Brasil não está presente entre os grandes latifundiários, entre os comerciantes, os industriais ou os empresários, mas entre os trabalhadores. É uma questão de classe e precisa ser nossa grande prioridade. Nas comunidades onde o analfabetismo é forte, é mais fácil haver manipulação, a organização é mais difícil e os trabalhadores assumem uma postura de subalternos”, disse.

Maria também defendeu uma maior participação dos movimentos camponeses na formulação das políticas públicas de educação específicas para essa parcela de brasileiros. “Não queremos ser só beneficiários ou público-alvo, mas sujeitos nessas políticas”, acrescentou.

A integrante da Via Campesina avalia que houve avanços nos últimos anos, como o lançamento das Diretrizes Nacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, pelo Conselho Nacional de Educação, além da criação das bases para a instituição da Política Nacional de Educação no Campo, por meio de decreto presidencial, em 2010, mas criticou o conceito adotado no Brasil de levar à área rural uma “escola assistencialista, precária e associada aos interesses do latifúndio, sem reconhecer e valorizar a localidade onde está inserida”.

“O projeto de educação no campo deve ser enraizado nos interesses das organizações camponesas, baseado na agricultura familiar e nos seus variados modos de vida. As escolas indígenas têm que ter sua cultura, as quilombolas têm que ter sua história, sua tradição, e as camponesas, os valores de seus movimentos”, diz.

Divina Lopes, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) do Maranhão, que também participa do encontro, disse que a formação dos professores que trabalham nas escolas do campo precisa ser específica. Segundo ela, além de enfrentar infraestrutura insuficiente em diversas unidades, os alunos, em muitos casos, não têm os saberes e as experiências locais incluídos no processo de ensino.
“Muitas escolas da zona rural na minha região ainda são de pau a pique. Além disso, em muitas delas, as experiências voltadas para o campo são deixadas de lado, o que compromete a valorização da história e da experiência camponesa”, lamentou.

José Wilson, secretário de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), disse que uma escola de qualidade ajuda a fixar os trabalhadores no campo, permitindo que eles identifiquem oportunidades e potencialidades.

“A escola que a gente quer mantém o povo, inclusive o jovem, no campo, porque lhe confere condições de promover seu próprio sustento, sua vida com dignidade nesse espaço. Quando a educação dialoga com a realidade local, as raízes, os hábitos, os saberes e as vivências que já existem em determinada região, ela facilita o aprendizado e contribui para um melhor desempenho das atividades no campo”, disse.

De acordo com o representante da Contag, um exemplo seria a inclusão de técnicas de convivência com a seca, como estratégias de captação de água da chuva e plantio de espécies adaptadas ao clima nas escolas da região do semiárido.

“Por isso, a educação no campo não pode ser pensada universalmente, mas regionalmente, para que sejam levadas em consideração as necessidades de cada lugar”, defendeu.

Fonte: Agência Brasil


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Diferenciar, individualizar e personalizar o ensino

Muito se tem falado que os alunos aprendem de formas diferentes. Que o modelo formatado para educação de massa está em xeque. Que os currículos precisam ser reformulados. Que os professores devem entender as demandas específicas dos estudantes. É aí que as palavras diferenciação, individualização e personalização do ensino viram questão de ordem, mesmo que esses conceitos não estejam claros para os educadores e, no fundo, pareçam a mesma coisa. A dupla de especialistas Barbara Bray e Kathleen McClashey, pioneira na capacitação para uso do universo digital em sala de aula, percebeu a confusão e resolveu dar uma mãozinha.

“Sabíamos que a terminologia era confusa e resolvemos ajudar”, diz Barbara, que trabalha com tecnologias educacionais desde a década de 1990. Ela e Kathleen, que preside a EdTech Associates, uma organização que ajuda estudantes e escolas a serem mais bem-sucedidos com tecnologia, montaram uma tabela explicando a diferença entre os três termos. O Porvir resumiu, traduziu e ilustrou. Confira.

Individualização do ensino

Começa com a necessidade específica de um aluno dentro de um grupo. O professor é capaz de identificá-la e, a partir dela, propor atividades que façam sentido para aquele aluno. Tecnologias e atenção do docente são voltadas para uma necessidade de uma pessoa. As avaliações do aprendizado tentam medir se, com todos os recursos investidos, o aluno aprendeu ou não. “Aqui, o professor dirige o aluno, que é dependente”, diz Kathleen.

Diferenciação

Já a diferenciação parte de um grupo de alunos com objetivos em comum. As atividades são voltadas a satisfazer as expectativas de cada grupo e, portanto, o professor terá em sala times de estudantes envolvidos em tarefas diferentes, que ele concebeu e orientou. Neste tipo de aprendizagem, é preciso construir uma relação de confiança entre as partes, para que o professor possa exercer sua liderança com o apoio dos alunos. A avaliação aqui é usada para facilitar a aprendizagem, uma vez que os feedbacks dados pelos professores ajudam os alunos a avançarem na construção do conhecimento.

Personalização

Nesta abordagem, o processo começa com um aluno, suas habilidades, sonhos e dificuldades. Ele reconhece, em sala, colegas com interesses, paixões e aspirações semelhantes e tem autonomia para fazer o design de seu aprendizado: escolhe o que estudar, de que forma, com que ferramentas e com qual grupo. No ensino personalizado, as habilidades e competências dos estudantes são valorizadas. Por isso, as avaliações são baseadas naquilo que o aluno domina e o aluno pode ser convidado a expressar o que sabe por meio de um portfólio. “O professor é apenas um facilitador e o aluno é mais responsável pelo que aprende”, diz Barbara.

Parece difícil preparar um ambiente de educação personalizada em sala de aula? A dupla preparou um passo a passo, em inglês, para ajudar o professor interessado em promover a personalização do ensino. As educadoras também organizaram um blog em que discutem o tema com pessoas de todo o mundo.
  
Fonte:  Portal Aprendiz.


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