quinta-feira, 12 de maio de 2016

O ataque à livre manifestação do pensamento em Alagoas, por José Geraldo Santana



Foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) desta segunda-feira (9), e agora passa a valer como lei, o absurdo projeto ‘Escola Livre’, no qual professores serão impedidos de expor posição política, ideológica e religiosa em sala de aula. A Contee já está agindo juridicamente para derrubar a decisão. Trazemos o texto de José Geraldo Santana sobre tal projeto.

O poeta árabe do século XI, Omar Kayyam, em seu Rubaiyat 96, reflete sobre o significado da morte – que, desde sempre, desafiou e continua desafiando a humanidade-, legando às gerações futuras a seguinte enigmática mensagem: “Um dia pedi a um velho sábio que me falasse sobre os que já se foram. Ele disse: Não voltarão. Eis o que sei!”.

A humanidade, ao longo de sua história, desejou e deseja ter de novo em seu meio aqueles (as) que se foram, mas que, antes de ir-se, a honraram e dignificaram; o que desautorizaria a mensagem do citado poeta. A par deste anseio que transcende a sua capacidade criadora, há o não menos desafiador de vê-la confirmada, no tocante aos fantasmas que a angustiaram e/ou a flagelaram e/ou torturaram; como, por exemplo, a inquisição, a escravidão, as guerras mundiais.

O povo brasileiro – salvo desonrosas exceções-, anseia ardentemente ter como apenas cicatrizes do passado os fantasmas que o infelicitaram – mais apropriado seria dizer o massacraram -, como o impropriamente chamado estado novo (1937 a 1945) e o regime militar (1964 a 1985); sendo-lhe difícil dizer qual deles, na sua essência, foi mais vil e mais atentatório à sua dignidade. Ambos eram inimigos figadais e inconciliáveis do seu maior patrimônio: a liberdade, em todos os seus aspectos e espectros.

Pois bem. Em que pese este justo e inarredável anseio coletivo, de tempo em tempo, surgem os porta vozes das trevas, travestidos de representantes do povo, pois que são integrantes de casas legislativas, que, sem pejo e nenhuma fagulha de decência e de razoabilidade, intentam trazer de volta o total e absoluto cerceamento da liberdade; por meio de projetos de leis e de normas, despudoradamente, intitulados de seu pilar e de busca de seu ápice, apesar de seu nauseabundo odor de putrefação.

Muitas são as nefastas iniciativas deste jaez, uma verdadeira pandemia, que mancharam, indelevelmente, o processo de discussão do Plano Nacional, dos estaduais e municipais de educação, dentre muitos outros, ainda em discussão em valhacoutos (refúgio de malfeitores) legislativos, de todos os entes federados.

A mais recente medida, que se inspira nas trevas infernais dos detratores da liberdade – fazendo corar o oitavo círculo do inferno,da obra de Dante Alighiere: A Divina Comédia -, vem da Assembleia Legislativa de Alagoas, que, por 18 votos a 8, derrubou o veto do Governador Renan Calheiros Filho, ao famigerado projeto de lei, que, não obstante o seu pomposo título de “escola livre”, visa, na verdade, a transformar a educação em presídio eterno da liberdade, gravado com segurança máxima.

Sem o dizer, a decisão da Assembleia Legislativa de Alagoas ressuscita das catacumbas das trevas, o Index Librorum Prohibitorum – que, em tradução livre, significa Índice de livros proibidos -, malévola criação da igreja católica, que, por quatrocentos e sete anos (1559 a 1966), constituiu-se em poderosa e letal arma contra a liberdade. E mais: ressuscita os crimes de segurança nacional, do, ao que parece, insepulto Decreto-lei N. 314, de 13 de março de 1967; que, em seu Art. 38, dispunha:

“Art. 38. Constitui, também, propaganda subversiva, quando importe em ameaça ou atentado à segurança nacional:

I – a publicação ou divulgação de notícias ou declaração;
II – a distribuição de jornal, boletim ou panfleto;
III – o aliciamento de pessoas nos locais de trabalho ou de ensino;
IV – comício, reunião pública, desfile ou passeata;
V- a greve proibida;
VI – a injúria, calúnia ou difamação, quando o ofendido for órgão ou entidade que exerça autoridade pública, ou funcionário em razão de suas atribuições;
VII – a manifestação de solidariedade a qualquer dos atos previstos nos itens anteriores; Pena – detenção, de 6 meses a 2 anos.”

A nova lei de Alagoas – terra de tantas heroicas lutas e imortais personagens, como Zumbi dos Palmares e Graciliano Ramos -, não se contenta com a proibição de livros, proíbe igualmente a livre manifestação do pensamento (Art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e 13º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica -, dos quais o Brasil é signatário), e da atividade intelectual (Art. 5º, inciso IX, da CF); a liberdade de ensinar e aprender (Art. 206, inciso II, da CF); e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (Art. 206, inciso IV, da CF); pilares do Estado Democrático de Direito.

Os “nobres deputados estaduais”, de Alagoas, que avalizaram a comentada lei, não só atestam e chancelam o seu total desapreço e a sua absoluta aversão pela liberdade, repitam-se, em todos os seus aspectos e espectros, bem como demonstram total desconhecimento da legislação educacional. Se se dessem ao trabalho de analisar, com o mínimo de seriedade, o Art. 205 – que especifica os objetivos da educação -, o 206 – que estabelece os princípios sobre os quais se assenta o ensino, ambos da CF; e o 2º, o 3º e o 13, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei N. 9.394/1996 -, ao menos, seriam comedidos em suas vãs palavras; lamentavelmente, nem a isto, prestaram-se.

Em seu Art.1º, assevera, de forma peremptória:

“Art. 1º- Fica criado, no âmbito do sistema estadual de ensino, o Programa “Escola Livre”, atendendo aos seguintes princípios:
I- neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
II- pluralismo de ideias no âmbito acadêmico;
III- liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;
IV- liberdade de crença;
V- reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizagem;
VI- educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e crença;
VII- direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica”.

Os “doutos deputados” só não disseram como essa “escola livre” irá se efetivar, tendo freios tantos amarras; e, por certo, não o fizeram porque neutralidade política e ideológica não passam de forma dissimulada de se defender o que há mais de tacanho e obscuro; como o fizeram todos os regimes totalitários, que, também, negaram o pluralismo político e de ideias.

No Art. 3º, a lei em questão estabelece:

“Art. 3º No exercício de suas funções, o professor:
I- não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente especifica de religião, ideologia ou política partidária;
II- não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
III- não fará propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;
IV- ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas;
V- salvo nas escolas confessionais, deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com os princípios desta lei.”

Mediante tanta “pureza” e tanto “zelo”, cabe perguntar: será que os “nobres deputados alagoanos” já entraram em uma sala de aula, ainda que seja tão somente por curiosidade? Será que já refletiram sobre o significado do fundamento constitucional do pluralismo político, inserto no Art. 1º, inciso I, da CF? Será sabem qual é a dimensão do princípio constitucional do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assegurado pelo Art. 206, inciso IV, da CF? Igualmente, quanto ao princípio constitucional da liberdade de aprender e de ensinar, insculpido no Art. 206, inciso II, da CF?

Ao que parece, nunca o fizeram tal exercício, e, pelo que se deduz, porque se o fizessem, a conclusão seria diametralmente oposta à que chegaram; e, para eles, a Ordem Democrática é desprovido de qualquer valor real; contentam-se com a aparência, mesmo que ela leve a educação pública ao obscurantismo.

A prevalecer a tese da Assembleia Legislativa de Alagoas, que nega e renega o pluralismo político, de ideias e concepções pedagógicas, e, como corolário, a construção da cidadania; os professores devem ser substituídos por robôs, que desempenharão, com mais eficiência e segurança, o triste papel que reservam à escola, de sepulcro da liberdade de aprender e de ensinar.

Ante esta teratológica lei alagoana, cabe perguntar: se os deputados, que se prestaram a isto, são os representantes do povo; o que esperar de seus inimigos? Talvez, seja o caso de se agir, como metaforicamente, sugere a música de Chico Buarque de Holanda, “Acorda, amor”, que se chame o ladrão, para defender o cidadão molestado pela polícia repressora do regime militar.




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