Não há mais dia em que não estejam na comunicação notícias, análises,
debates sobre as várias crises em que estamos mergulhados – da água,
das mudanças climáticas, da desertificação, da perda da biodiversidade,
do consumo excessivo no mundo, já além da capacidade de reposição do
planeta -, agravadas pela perspectiva de que mais 2 bilhões de pessoas
venham somar-se aos 7 bilhões de atuais viventes, 1 bilhão dos quais
passa fome e mais de 2 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza. Como
sair desse quadro dramático, quando as únicas instituições universais de
que dispomos – como a Organização das Nações Unidas (ONU) – se veem
paralisadas diante da falta de consenso entre os países e as pessoas,
que impede a tomada de decisões globais? Que fazer, se conflitos armados
continuam a eclodir e podem ampliar-se? E que atitudes adotar diante de
ameaças novas, como a da guerra cibernética?
A política, a
ciência, a economia não vêm obtendo êxito com muitas das respostas a
questões dessa natureza que vêm propondo em muitos lugares, muitos
fóruns de discussões. Mesmo quando ocorre uma aprovação em princípio, a
prática não consegue avançar, dadas as contradições e divergências entre
países, blocos, instituições, governos, etc., cada um deles tentando
fazer prevalecer os seus interesses específicos, isolados. Seria
interessante ouvir outras propostas. Por exemplo, a palavra das
religiões, os caminhos que propõem, eventuais êxitos que tenham
conseguido aqui e ali, neste ou naquele terreno – já que em seu dia a
dia cuidam de questões éticas, morais, posturas baseadas em princípios
religiosos.
Por isso mesmo, convidado, há poucos dias o autor
desta linha participou na capital paulista, na Aliança Cultural
Brasil-Japão, e com a participação de filósofo, psicólogos e de
professores também do Japão, de Taiwan e do Havaí, de um “Fórum sobre
Humanismo”, em que a pergunta central era esta: “Qual é a verdadeira
natureza do ser humano?”. As razões das crises globais de hoje e os
caminhos para enfrentá-las estiveram no centro das discussões.
Um
dos pontos de partida foi a afirmação de que na base dos conflitos está a
“dificuldade de conviver com o diferente”, ao lado do pensamento de que
“a ciência é a certeza que move o mundo” – pois, ao mesmo tempo que
oferece soluções brilhantes para problemas em tantas áreas, é capaz de
criar tecnologias complicadoras da vida, estimuladoras do consumo
supérfluo, quando não gera catástrofes com bombas nucleares e outras
armas de destruição em massa. São alguns dos caminhos que,
paralelamente, criam dificuldades de conviver com o próximo e, ao mesmo
tempo, a arrogância, a certeza de que a engenharia genética, por
exemplo, será capaz de tudo resolver, como observou um dos mestres
participantes.
A prática religiosa, foi dito, precisa levar as
pessoas a se perguntarem se o ser humano é superior a outras espécies;
precisa inflá-lo de coragem para o diálogo; colocar perguntas óbvias,
como a de que não é possível fazer a guerra em nome da paz, atropelando
outros seres; meditar sobre questões decisivas a respeito do convívio
com a natureza, as espécies, os hábitats – e deixar de se ver como o
centro de tudo, tendo o ego como a razão central do universo. “Só quando
começamos a nos comparar com o que está fora de nós – deixando de olhar
apenas para nós mesmos – conseguimos abrir caminhos para a harmonia
(…). Todo mundo tem sabedoria (…). Mas se pensarmos que só a ciência é a
verdade e o princípio é o eu, pode-se caminhar em direções perigosas”,
ponderou um dos palestrantes.
Parece óbvio que todos esses pontos
de partida precisam estar sobre a mesa, numa hora de tantas crises de
gravidade extrema. Mas como fazê-los prevalecer sem a imposição de leis,
políticas, etc.? Que fazer quando, mesmo no auge de campanhas
eleitorais, como agora, os temas acabam minimizados ou obscurecidos
pelos próprios candidatos, temerosos de que o confronto com pensamento
diferente os leve a perder votos? É imperioso que as próprias religiões
tragam a público as discussões, manifestem suas posições a respeito do
que estamos vivendo. Para que a sociedade se mova e obrigue governantes a
agir.
Para ficar em apenas um dos temas mencionados no início
deste artigo, não é possível esperar que só em 2015, como está acertado
na Convenção do Clima, os países-membros cheguem a um compromisso para
entrar em vigor apenas em 2020 e leve à redução de emissões que
contribuem para desastres climáticos. Os desastres já estão aí, a
elevação da temperatura da Terra, também. Da mesma forma que outros
problemas: a umidade do ar, cuja queda a apenas 10% obrigou à decretação
do estado de emergência na capital paulista em 21/8; as emissões de
gases em áreas urbanas do Brasil, que representam 23% do total na
América Latina (Estado, 22/8); ilhas de calor que já afetam cidades
médias paulistas, segundo a Universidade Estadual Paulista (Folha de
S.Paulo, 2/8); o número de dias com temperaturas acima de 30 graus
Celsius, que aumentou 34% em 50 anos.
Um dos principais
especialistas em clima e assessor do governo britânico, Bob Watson,
afirma (BBC News, 23/8) que está fora de possibilidade, marcada por
otimismo excessivo, a visão de que a temperatura terrestre subirá
somente até 2 graus em meados do século; a seu ver, ela pode subir até 5
graus. A própria ONU, a Organização Meteorológica Mundial, a Convenção
de Combate à Desertificação pedem urgência a todos os países nos
esforços para enfrentar a temporada de secas extremas no Hemisfério
Norte, que poderá levar à perda de 35% na safra de soja, agravando ainda
mais a fome no mundo.
Não há um segundo a perder nas emergências
que já estão diante de nós. E é preciso que todas as instâncias – a
religiosa incluída – estejam empenhadas em mudanças de paradigmas que
nos levem a soluções verdadeiras. Pode parecer patético enveredar por
aí. Mas essa é a tarefa inescapável das atuais gerações.
Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
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