quarta-feira, 21 de setembro de 2016

ARTIGO: Estupro não tem classe social nem é problema de falta de educação


 
                 Manifestação nos Estados Unidos contra a cultura do estupro. Imagem: Mayra Cotta.
 
Texto de Mayra Cotta para as Blogueiras Feministas.

Estupros acontecem todos os dias, em todo os países e em todas as classes sociais. São cometidos por homens com os mais diversos níveis de educação e renda, contra mulheres das mais distintas afiliações política e religiosa. Não tem cor, nem etnia.

Mas como o nosso sistema punitivo, a nossa mídia e a nossa indignação são profundamente seletivos – tanto em relação a quem queremos punir quanto em relação por quais vítimas iremos nos sensibilizar – o estupro torna-se visível apenas depois que é filtrado pelo racismo e preconceito de classe que estruturam nossas relações e instituições. E, ainda assim, aparece como um fenômeno pontual, individualizado e patologizado – apenas um monstro ou um louco psicopata faria isso com uma mulher, dizem.

O estupro, contudo, é uma violência tão comum e generalizada que, quando as feministas de segunda geração, nos anos 60, começaram a politizar o privado compartilhando umas com as outras suas experiências individuais, perceberam que quase todas tinham ao menos uma experiência de violência sexual para compartilhar. Além do convívio diário com o assédio nas ruas, nos meios de transporte e nas salas de aula, as mulheres também tinham em comum o fato de já terem sido vítimas de violência sexual, em episódios que comumente envolviam conhecidos ou parentes.

Foi nos Estados Unidos de então que o termo “cultura do estupro” surgiu para denunciar esse contrato social machista que aceita, incentiva e esconde o estupro, por meio de práticas diárias de objetificação do corpo feminino e de construção da masculinidade tanto mais valorizada quanto mais viril é.
 



Meio século depois, a denúncia da cultura do estupro permanece firme  e, infelizmente, necessária. Em 2014, chegou ao ponto de ser reconhecida pela Casa Branca como uma questão social gravíssima a ser combatida. Na época, uma série de acusações de estupro começaram a ser feitas por e contra estudantes de prestigiadas universidades no país. A impressionante quantidade de casos desestabilizou os hipócritas – ou os tão privilegiados que conseguiam mesmo acreditar nisso – que estabeleciam relações de causalidade entre violência sexual e pobreza ou falta de educação.

Poucas foram as mulheres, contudo, que se surpreenderam. Afinal, a cultura do estupro nas universidades estadunidenses apenas reproduz as práticas comumente toleradas e frequentemente incentivadas socialmente, seja na rua ou em casa, no bar ou no trabalho.

A diferença é que jovens universitárias da Ivy League fazem parte de uma elite econômica e intelectual que mais facilmente consegue vocalizar suas lutas por conta da posição de privilégio que ocupam. Ou seja, é mais difícil abafar uma denúncia de estupro de uma estudante de Harvard do que de uma moradora da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A luta contra a violência sexual, portanto, precisa ser tão sistêmica quanto o é a cultura do estupro. Isso significa uma resistência diária a todas as piadas, brincadeiras, propagandas de cerveja e de margarina, fiu-fius, apalpadas e tantas outras práticas tão repugnantes quanto socialmente aceitas.

Mas isso também significa que só daremos passos definitivos quando nossa capacidade de nos solidarizarmos com as vítimas e de nos revoltarmos contra os estupradores não dependa nem dos padrões de comportamento impostos desde cedo às mulheres, nem da seletividade do nosso ímpeto punitivo racista e preconceituoso de classe social. Organizemos nossa indignação coletiva por todas as vítimas – e contra todos os estupradores.

Autora
Advogada feminista, entusiasta da Política e resistentemente otimista quanto à possibilidade de um mundo melhor. Formada em Direito pela Universidade de Brasília, mestre em Direito Criminal pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e doutoranda em Política pela New School for Social Research, em Nova York.

FONTE: Texto de Mayra Cotta para as Blogueiras Feministas.

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