terça-feira, 20 de setembro de 2016

artigo: O que é estupro? E por que os homens se sentem a vontade para realizá-lo?

 

 Maio/2016 – Mulheres erguem faixa durante ato: Por Todas Elas. Em frente à Alerj, no centro do Rio de Janeiro. O protesto é motivado pelo recente caso de estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro. Foto de Rudy Trindade/Framephoto/Estadão Conteúdo
 
Texto de Jussara Oliveira com colaboração da equipe de coordenação das Blogueiras Feministas.

Estupro não é apenas a penetração forçada através da violência física. Estupro é qualquer ato de cunho sexual onde não exista o consentimento. Seja porque a pessoa não pode consentir (por não estar consciente, não ter condições físicas ou não ter idade o suficiente para isso) ou porque foi impelida a fazê-lo (por força física ou ameaça). Consentimento, nada mais é do que concordar. E, uma vez dado, não significa que não se possa voltar atrás nessa decisão. Esse vídeo é curto e e ilustra bem como deveria ser simples respeitar o consentimento:  Vídeo: Chá & Sexo – Consentimento é tão simples quanto chá.

Então, por que é tão difícil fazer esse acordo do consentimento nas relações? Por que tantas mulheres se sentem desrespeitadas em seus relacionamentos? Por que é apregoado que as mulheres devem fazer tudo que seu parceiro deseja sob a pena de perdê-lo para outra mulher?

Quando colocamos o tema da cultura do estupro na roda, não estamos dizendo que todos os homens estão na iminência de cometer um estupro e nem que são vítimas sociais que não merecem ser punidas, o que buscamos é identificar como a sociedade e suas estruturas contribuem para que a violência contra a mulher seja vista como algo comum, que faz parte de suas vidas e que não há muito o que se possa fazer para mudar isso.

Neste momento, temos um caso simbólico: Uma adolescente de 16 anos sofreu um conjunto de violências praticadas por 33 homens, que acharam divertido não apenas estuprá-la, mas também humilhá-la e divulgar isso em redes sociais para que sua violência tivesse o maior alcance possível. Espero que muitas pessoas tenham se perguntado o que levou esses caras a fazer o que fizeram, e a primeira resposta que tenho para essa pergunta é: porque eles se sentiram no direito de fazer.

E quem dá esse direito a eles? Por que ninguém tentou impedir? Será que em nenhum momento algum desses homens questionou o que estavam fazendo? Não pensaram duas vezes antes de divulgar os registros desse ato? No Brasil, apenas 35% dos casos de estupro são registrados. E, no estado do Rio de Janeiro, só 6% dos casos de estupro registrados em 2015 foram a julgamento.
Estupro não é sobre sexo, é sobre poder. E é sobre isso que queremos falar quando dizemos que no Brasil há uma cultura do estupro. Nossa cultura tira da mulher o direito ao seu próprio corpo e o entrega ao homem mais próximo, ao governo, a igreja, a mídia ou qualquer outra instituição de poder.

Um homem se sente a vontade para estuprar porque acredita que a sua vontade é mais importante que a da vítima. Um grupo de homens se sente confortável para realizar um estupro coletivo porque tem o apoio de seus parças e também da sociedade que vai questionar essa vítima, que vai julgá-la para ver se ela realmente está dizendo a verdade. Não se questiona uma vítima de roubo sobre seu desejo de ostentar objetos caros, mas as vítimas de violência sexual não dispõe dessa prerrogativa. Há um imenso conjunto de “regras sociais” implícitas que retiram da mulher o direito ao próprio corpo e questionam suas atitudes como catalisadoras da violência.

Diz-se que a opinião da mulher não precisa ser levada em conta, já que ela não sabe decidir por si mesma ou por ser vista como agente passivo no ato sexual. Dessa maneira, temos mulheres estupradas enquanto estão dormindo ou em momentos inconscientes, afinal as mulheres dizem “não” quando estão querendo dizer “sim” e existe a ideia de que mulher não tem tesão, então não vão se importar. O frágil conceito de masculinidade se julga mais importante que o consentimento de uma mulher, então ela não pode mudar de opinião ao chegar num motel e nem pode negar livre acesso ao seu corpo se está num namoro ou casamento. Se ela é lésbica, frígida ou simplesmente resiste em fazer sexo com um ótimo exemplo do homem de bem, pode sofrer um estupro corretivo para que repense sua vida. Especialmente em filmes e seriados, temos visto o estupro como um agente de transformação para as mulheres, como se fosse necessário passar por uma violência para ganhar força e deixar de ser uma menina.

Quando observamos esses detalhes fica mais fácil entender como os números frios da violência contra a mulher são perversos. Eles mostram apenas a ponta do iceberg. O estuprador não é um ser místico malévolo, um estuprador pode ser qualquer pessoa que em determinada situação enxergue a possibilidade de exercer seu poder sobre outra pessoa. Combater a cultura do estupro tem a ver com desconstruir essa dinâmica de poder. Por isso que a cadeia, a castração química e outras penas capitais quando aplicadas isoladamente não impedem que essa violência ocorra novamente.

Há toda essa estrutura entranhada socialmente, ensinada desde a infância, que determina como base da masculinidade a imposição de poder e controle sobre as meninas e mulheres. A eles é dito que têm o direito e o dever de usufruir e “proteger” nossa sexualidade, companhia e amor. Ás mulheres resta o dever de nos “preservar” até encontrarmos o príncipe encantado que será nossa metade da laranja, o qual irá nos proteger de todos os males do mundo (principalmente de outros homens “mal intencionados”) e nos prover como apenas nosso pai teria feito antes. A eles devemos nossa devoção.

Homens e mulheres não são ensinados sobre limites e respeito nas relações, e principalmente sobre o consentimento. Sobre a importância de valorizar as vontades e opiniões das mulheres. Um homem já deve ser respeitado por definição, uma mulher tem que “se dar ao respeito”. Um respeito que se traduz numa meta inalcançável, que aos olhos de muitos é facilmente violada e que em nossa cultura punitivista nos faz perder o direito a qualquer nível de dignidade. Enquanto aos homens é permitido agir livremente, a nós são cobradas diversas atitudes para se prevenir do estupro, como se fosse nossa a culpa dele ocorrer. A prevenção do estupro deve ser cobrada do estuprador, não da vítima.

 


Mas como mudar esse cenário? Além da punição penal, da educação igualitária de meninos e meninas, da criação e manutenção de leis e políticas públicas que estejam comprometidas com a igualdade de gênero e os direitos das mulheres, da ampliação do debate sobre sexualidade, precisamos também falar sobre o tal empoderamento.

Quando nos deparamos com uma situação de violência muitas vezes nos calamos, por quê? Porque nos fizeram acreditar que não temos direitos, que apenas nos resta a culpa, que aquela mulher mereceu por alguma razão. Se o tal homem que jurou nos proteger é violento somos levadas a acreditar que foi algo de errado que fizemos, que tem algo de errado na nossa percepção dos fatos. Porque, entre muitas coisas, acreditamos que não somos capazes sozinhas de discernir sobre o quê e quando queremos, de nos proteger, de termos força, e fazer qualquer outra coisa que seja sem precisar de um homem por perto.

Já vi muita mulher forte encolher perto de homens fracos, já vi muita mulher capaz encolher perto de homens arrogantes e inúteis, já vi muita mulher bem resolvida entrar em paranóia por homens com problemas de autoestima. Porque somos ensinadas que não somos capazes o suficiente. Temo muito pela repercussão de casos como dessa adolescente no Rio de Janeiro, porque isso nos fazer sentir ainda menores, muito pequenas e frágeis frente a violência que nos assola.

Mas, posso dizer com segurança que essa masculinidade padrão tem alicerces muito frágeis, e que é preciso derrubá-la. E como encontrar essas fraquezas? Como encontrar nossas forças? Bem esse é um trabalho pra se fazer consigo mesma mas também em grupo.

Busque sempre ter por perto mulheres em quem vocês confiem, mulheres que não duvidem da sua força ou capacidade, mulheres que possam te estender a mão quando necessário e também te alertar se for o caso. Mulheres que partilhem das mesmas fragilidades que você, e também mulheres em que você possa se inspirar e se desenvolver. Olhe em volta, se aproximem, conversem.

Dizem que toda mulher tem uma história de horror para contar (de si ou de outra próxima). Eu digo toda mulher tem também uma história de superação, de conquista e de coragem. São essas histórias que precisamos ouvir e lembrar.
Um homem se sente a vontade para estuprar porque acredita que a sua vontade é mais importante que a da vítima. Um grupo de homens se sente confortável para realizar um estupro coletivo porque tem o apoio de seus parças e também da sociedade que vai questionar essa vítima, que vai julgá-la para ver se ela realmente está dizendo a verdade. Não se questiona uma vítima de roubo sobre seu desejo de ostentar objetos caros, mas as vítimas de violência sexual não dispõe dessa prerrogativa. Há um imenso conjunto de “regras sociais” implícitas que retiram da mulher o direito ao próprio corpo e questionam suas atitudes como catalisadoras da violência.

Diz-se que a opinião da mulher não precisa ser levada em conta, já que ela não sabe decidir por si mesma ou por ser vista como agente passivo no ato sexual. Dessa maneira, temos mulheres estupradas enquanto estão dormindo ou em momentos inconscientes, afinal as mulheres dizem “não” quando estão querendo dizer “sim” e existe a ideia de que mulher não tem tesão, então não vão se importar. O frágil conceito de masculinidade se julga mais importante que o consentimento de uma mulher, então ela não pode mudar de opinião ao chegar num motel e nem pode negar livre acesso ao seu corpo se está num namoro ou casamento. Se ela é lésbica, frígida ou simplesmente resiste em fazer sexo com um ótimo exemplo do homem de bem, pode sofrer um estupro corretivo para que repense sua vida. Especialmente em filmes e seriados, temos visto o estupro como um agente de transformação para as mulheres, como se fosse necessário passar por uma violência para ganhar força e deixar de ser uma menina.

Quando observamos esses detalhes fica mais fácil entender como os números frios da violência contra a mulher são perversos. Eles mostram apenas a ponta do iceberg. O estuprador não é um ser místico malévolo, um estuprador pode ser qualquer pessoa que em determinada situação enxergue a possibilidade de exercer seu poder sobre outra pessoa. Combater a cultura do estupro tem a ver com desconstruir essa dinâmica de poder. Por isso que a cadeia, a castração química e outras penas capitais quando aplicadas isoladamente não impedem que essa violência ocorra novamente.

Há toda essa estrutura entranhada socialmente, ensinada desde a infância, que determina como base da masculinidade a imposição de poder e controle sobre as meninas e mulheres. A eles é dito que têm o direito e o dever de usufruir e “proteger” nossa sexualidade, companhia e amor. Ás mulheres resta o dever de nos “preservar” até encontrarmos o príncipe encantado que será nossa metade da laranja, o qual irá nos proteger de todos os males do mundo (principalmente de outros homens “mal intencionados”) e nos prover como apenas nosso pai teria feito antes. A eles devemos nossa devoção.

Homens e mulheres não são ensinados sobre limites e respeito nas relações, e principalmente sobre o consentimento. Sobre a importância de valorizar as vontades e opiniões das mulheres. Um homem já deve ser respeitado por definição, uma mulher tem que “se dar ao respeito”. Um respeito que se traduz numa meta inalcançável, que aos olhos de muitos é facilmente violada e que em nossa cultura punitivista nos faz perder o direito a qualquer nível de dignidade. Enquanto aos homens é permitido agir livremente, a nós são cobradas diversas atitudes para se prevenir do estupro, como se fosse nossa a culpa dele ocorrer. A prevenção do estupro deve ser cobrada do estuprador, não da vítima.

Mas como mudar esse cenário? Além da punição penal, da educação igualitária de meninos e meninas, da criação e manutenção de leis e políticas públicas que estejam comprometidas com a igualdade de gênero e os direitos das mulheres, da ampliação do debate sobre sexualidade, precisamos também falar sobre o tal empoderamento.

Quando nos deparamos com uma situação de violência muitas vezes nos calamos, por quê? Porque nos fizeram acreditar que não temos direitos, que apenas nos resta a culpa, que aquela mulher mereceu por alguma razão. Se o tal homem que jurou nos proteger é violento somos levadas a acreditar que foi algo de errado que fizemos, que tem algo de errado na nossa percepção dos fatos. Porque, entre muitas coisas, acreditamos que não somos capazes sozinhas de discernir sobre o quê e quando queremos, de nos proteger, de termos força, e fazer qualquer outra coisa que seja sem precisar de um homem por perto.

Já vi muita mulher forte encolher perto de homens fracos, já vi muita mulher capaz encolher perto de homens arrogantes e inúteis, já vi muita mulher bem resolvida entrar em paranóia por homens com problemas de autoestima. Porque somos ensinadas que não somos capazes o suficiente. Temo muito pela repercussão de casos como dessa adolescente no Rio de Janeiro, porque isso nos fazer sentir ainda menores, muito pequenas e frágeis frente a violência que nos assola.

Mas, posso dizer com segurança que essa masculinidade padrão tem alicerces muito frágeis, e que é preciso derrubá-la. E como encontrar essas fraquezas? Como encontrar nossas forças? Bem esse é um trabalho pra se fazer consigo mesma mas também em grupo.

Busque sempre ter por perto mulheres em quem vocês confiem, mulheres que não duvidem da sua força ou capacidade, mulheres que possam te estender a mão quando necessário e também te alertar se for o caso. Mulheres que partilhem das mesmas fragilidades que você, e também mulheres em que você possa se inspirar e se desenvolver. Olhe em volta, se aproximem, conversem.

Dizem que toda mulher tem uma história de horror para contar (de si ou de outra próxima). Eu digo toda mulher tem também uma história de superação, de conquista e de coragem. São essas histórias que precisamos ouvir e lembrar.
  (artigo publicado em 01/06/2016 Blogueira Feminista ) 
 
Diretoria do Sinpro Macaé e Região

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