sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Professor não doutrina, professor ensina



Quisera eu ter o poder que o pessoal da Escola Sem Partido me atribui. Professores doutrinadores? Fazemos a cabeça dos nossos alunos? Sinceramente, nem se a gente quisesse. Só quem não tem ideia de o que se passa em uma sala de aula pode acreditar em uma tolice dessas.

Quando eu dava aula no Ensino Básico, até conseguir abrir a boca e começar a falar era um deus-nos-acuda. E não venham me dizer que eu era péssima professora. Estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que o professor no Brasil gasta em media 20% da sua aula pedindo silêncio ou lutando contra a bagunça. O mesmo estudo mostra que o bendito professor gasta outros 12% do seu tempo com burocracias como o controle de presença. Sobra pouco. Considerando que cada tempo de aula tem entre 40 e 50 minutos, na realidade cada aula só dura uns 30 minutos.

Eu não duvidaria se os denunciadores de plantão listassem História, Geografia e Ciências como as disciplinas mais afeitas à “doutrinação”; as duas primeiras pelo crime de pretender “formar cidadãos”, a terceira por discutir a origem da vida e confundir os alunos com os temas da identidade de gênero e orientação sexual. Em geral, tais disciplinas têm entre dois e três tempos de aula por semana. Na melhor das hipóteses, seriam 150 minutos de aula por cada disciplina por semana. Mas não chega nem a isso: com tantas perdas, cada uma destas disciplinas têm, no máximo, 90 minutos de aula por semana. Vale a repetição: com muita sorte, nossos alunos têm 1 hora e meia de aula de História, Ciências e Geografia por semana.

Agora vamos comparar: quanto tempo seu filho passa por semana acessando a internet? E brincando no celular? Estudos mostram que as crianças brasileiras são as que mais acessam a internet no mundo: são cerca de 13 horas online por semana, gastos basicamente com entretenimento e jogos. Isto sem contar as cerca de 5 horas e meia por dia assistindo à televisão. Ou seja: as crianças brasileiras passam pelo menos 50 horas por semana prestando muito atenção nas telas, contra 1 hora e meia nas aulas de História, Geografia ou Ciências. Basta uma rápida análise nestes dados para saber que o problema da educação brasileira é outro. Ainda assim, não deixa de ser surpreendente que, em tão pouco tempo de aula, alguns professores consigam, com dedicação e disponibilidade para compartilhar o que sabem, despertar em seus alunos a genuína paixão pelo estudo e pelo conhecimento – que, afinal de contas, é o que torna possível o aprendizado.

A questão principal é que professor não doutrina, professor ensina. Denominar o conjunto de professores de “um exército organizado de militantes” (e isto só porque muitos definem, entre suas missões, a de formar cidadãos) é uma falácia sem qualquer correspondência com a realidade. Aliás, como mostrou matéria recente da Revista Nova Escola, o site do movimento registra “somente” 33 denúncias de suposto abuso por parte de professores. Seria muito barulho por nada se os objetivos não fossem nefastos e os métodos, desonestos. É desonestidade intelectual querer transformar a exceção, se é que ela existe, em regra. É desonestidade intelectual sair por aí dizendo que a doutrinação grassa nas escolas quando não se tem qualquer evidência de que este é um fenômeno significativo.

Mais ajuda quem não atrapalha. Vamos parar de atrapalhar o árduo trabalho dos professores. As propostas do Escola Sem Partido em absolutamente nada contribuem para melhorar a qualidade da educação deste país. Sejamos francos: a Educação brasileira está em estado calamitoso, e entre seus problemas mais graves está justamente a situação dos professores. Ao invés de ficar perdendo tempo com histórias de assombração, é hora de focar nos problemas reais. O salário dos professores brasileiros está entre os piores do mundo. A carreira docente hoje não atrai quase ninguém. O Brasil já ocupa um lugar muito ruim nos rankings mundiais de educação para corrermos o risco de ainda piorar.



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