Por Gaudêncio Frigotto
A reforma de ensino médio proposta pelo bloco de
poder que tomou o Estado brasileiro por um processo golpista, jurídico,
parlamentar e midiático, liquida a dura conquista do ensino médio como educação
básica universal para a grande maioria de jovens e adultos, cerca de 85% dos
que frequentam a escola pública. Uma agressão frontal à constituição de 1988 e
a Lei de Diretrizes da Educação Nacional que garantem a universalidade do
ensino médio como etapa final de educação básica.
Os proponentes da reforma, especialistas analfabetos
sociais e doutores em prepotência, autoritarismo e segregação social, são por
sua estreiteza de pensamento e por condição de classe, incapazes de entender o
que significa educação básica. E o que é pior, se entende não a querem para todos.
Com efeito, por rezarem e serem co-autores da
cartilha dos intelectuais do Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio,
etc., seus compromissos não são com direito universal à educação básica, pois a
consideram um serviço que tem que se ajustar às demandas do mercado. Este, uma
espécie de um deus que define quem merece ser por ele considerado num tempo
histórico de desemprego estrutural. O
ajuste ou a austeridade que se aplica à classe trabalhadora brasileira, da
cidade e do campo, pelas reformas da previdência, reforma trabalhista e
congelamento por vinte anos na ampliação do investimento na educação e saúde
públicas, tem que chegar à escola pública, espaço onde seus filhos estudam.
A reforma do ensino médio que se quer impor por
Medida Provisória segue figurino da década de 1990 quando MEC era dirigido por
Paulo Renato de Souza no Governo Fernando Henrique Cardoso. Não por acaso Maria
Helena Guimarães é a que de fato toca o barco do MEC. Também não por acaso que
o espaço da mídia empresarial golpista é dado a figuras desta década.
Uma reforma que retrocede ao obscurantismo de
autores como Desttut de Tracy que defendia, ao final do século XIX, ser da
própria natureza e, portanto, independente da vontade dos homens, a existência
de uma escola rica em conhecimento, cultura, etc., para os que tinham tempo de
estudar e se destinavam a dirigir no futuro e outra escola rápida, pragmática,
para os que não tinham muito tempo para ficar na escola e se destinavam (por
natureza) ao duro ofício do trabalho.
Neste sentido é uma reforma que anula Lei Nº. 1.821
de 12 de março de 1953. Que dispõe sobre o regime de equivalência dos cursos de
grau médio para efeito de matrícula nos curso superiores e cria novamente, com
outra nomenclatura, o direcionamento compulsório à universidade. Um
direcionamento que camufla o fato de que para a maioria da classe trabalhadora
seu destino são as carreiras de menor prestigio social e de valor econômico.
Também retrocede e torna, e de forma pior, a reforma
do ensino médio da ditadura civil militar que postulava a profissionalização
compulsória do ensino profissional neste nível de ensino. Piora porque aquela
reforma visava a todos e esta só visa os filhos da classe trabalhadora que
estudam na escola pública. Uma reforma
que legaliza o apartheid social na educação no Brasil.
O argumento
de que há excesso de disciplinas esconde o que querem tirar do currículo –
filosofia, sociologia e diminuir a carga de história, geografia, etc. E o
medíocre e fetichista argumento que hoje o aluno é digital e não agüenta uma
escola conteudista mascara o que realmente o aluno desta, uma escola degradada
em seus espaços, sem laboratórios, sem auditórios de arte e cultura, sem
espaços de esporte e lazer e com professores esfacelados em seus tempos trabalhando
em duas ou três escolas em três turnos para comporem um salário que não lhes
permite ter satisfeitas as suas necessidades básicas. Um professorado que de forma crescente
adoece. Os alunos do Movimento Ocupa Escolas não pediram mais aparelhos digitais,
estes eles têm nos seus cotidianos. Pediram justamente condições dignas para
estudar e sentir-se bem no espaço escolar.
Por fim, uma traição aos alunos filhos dos
trabalhadores, ao achar que deixando que eles escolham parte do currículo vai
ajuda-los na vida. Um abominável descompromisso
geracional e um cinismo covarde, pois seus filhos e netos estudam nas escolas onde, na acepção de Desttut de
Tracy estudam os que estão
destinados a dirigir a sociedade. Um reforma que legaliza a existência de uma
escola diferença para cada classe social. Justo estes intelectuais que em seus escritos negam a
existência das classes sociais.
Quando se
junta prepotência do autoritarismo, arrogância, obscurantismo e desprezo aos
direitos da educação básica plena e igual para todos os jovens, o seu futuro
terá como horizonte a insegurança e a
vida em suspenso.
* Filósofo e Educador. Professor do Programa de Pós
Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ)
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