sexta-feira, 20 de abril de 2012

Não se fala sem gramática


Talvez o preconceito linguístico mais óbvio seja uma afirmação corrente sobre a fala de algum grupo (jovem e/ou pouco escolarizado): eles falam de qualquer jeito (pretendo falar muito desse tema!). Trata-se de preconceito no sentido etimológico: um “pré-conceito”, ou seja, um conceito emitido antes da análise dos fatos.

As pessoas têm, evidentemente, direito a seu gosto (musical, linguístico, culinário etc.). Assim, é legítimo que cada pessoa tenha sua preferência por sotaques (gostar mais de ouvir nordestinos do que de ouvir gaúchos ou mineiros, ou vice-versa) e por construções sintáticas (gostar mais de construções com cujo do que de construções que o contornam etc.).

Mas seria bom que ninguém pensasse simplesmente que seu gosto é o “certo”, porque esta posição, em geral, além de erro técnico, é prova de pouca cultura. Não é legítimo, do ponto de vista cultural, “falar mal” sem fundamento, desprezar sem analisar. Dou um exemplo radical, o emprego de “menas”.

A forma funciona como marca de pouca cultura. Além disso, foi associada a Lula, que a empregou em campanhas presidenciais. E foi critério para o julgamento de sua capacidade política. Muita gente teve ocasião de declarar que se tratava simplesmente de um erro, ou que “menas não existe”. Acontece que existe e só é erro em sentido não técnico, social.

A flexão está, por exemplo, registrada no dicionário Houaiss (que a analisa em termos duros): “no Brasil, na linguagem coloquial desescolarizada, ocorre a forma deturpada menas (pron. indef.), em concordância de gênero com o subst. que se segue (menas confiança comigo, hein?)”.

Destaco a análise gramatical de Houaiss: menos concorda com o substantivo que a segue. Ou seja: ninguém diz, por exemplo, *menas dinheiro, *menas meninos, *menas gols. Só se ouvem expressões como menas maracutaia, menas comida, menas roupa etc. Em suma, sempre que a forma ocorre, cumpre-se rigorosamente a regra de concordância nominal.

A ciência, frequentemente, se debruça sobre casos selecionados. Não trata de tudo, mas de fatos exemplares. Eles comprovam, de certa forma, que as teses gerais são verdadeiras, ou, pelo menos, aceitáveis. Menas prova que os incultos também falam segundo regras rigorosas. A concordância mostra isso.

O caso menas, um dos mais marcados socialmente, deveria servir para que todos os preconceitos relativos à fala popular (desescolarizada) fossem combatidos. Pode-se continuar a não gostar da forma. O que não se pode – porque indica incapacidade de análise – é dizer que se trata de um erro. E que ele mostra que se fala de qualquer jeito.

 Sírio Possenti é professor do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas.
Fonte: Carta Capital.

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