Entrevista de André Antunes publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - Fio Cruz (EPSJV/FioCruz), em 27/04/2018 - 08h54 - Atualizado em 11/05/2018 13h11
A Kroton Educacional, maior empresa de educação do mundo, vai se tornar
ainda maior. Na última terça-feira (24) saiu o anúncio de que a
companhia assumiu o controle da Somos Educação – dona do sistema de
ensino Anglo e de editoras como a Ática e Scipione, grandes produtoras
de material didático. A compra, no valor de R$ 4,6 bilhões, ainda está
sujeita à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), que regula a concorrência. É a segunda aquisição da Kroton – que
controla grande parte do mercado privado de educação superior no país,
com 877 mil matrículas em um universo de 6 milhões de vagas – na
educação básica em menos de um mês. A Kroton já havia anunciado em abril
a compra do colégio Leonardo da Vinci, no Espírito Santo. Segundo a
empresa, com a aquisição da Somos, a fatia de sua receita que vem do
ensino básico deve aumentar de 3% para 28%, consolidando uma guinada em
direção à educação básica. Nesta entrevista, Allan Kenji, doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) que estuda a atuação dos grupos empresariais na educação
e sua vinculação com o capital financeiro, explica os fatores que
determinaram essa mudança de prioridade da Kroton e fala sobre como esse
movimento está relacionado às alterações na educação básica no Brasil,
com a reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e
também com o processo de financeirização do capital na educação.
O que a compra da Somos Educação pela Kroton representa no sentido da ampliação do interesse das grandes empresas de educação, hoje predominantes na educação superior, na educação básica?
Na minha pesquisa tenho mapeado os grupos que têm capital aberto e
identificado o comportamento dos fundos de investimento, e também as
fusões e aquisições que aconteceram no setor da educação. Em 2007 todos
os grupos educacionais começaram a abrir ações na Bolsa de Valores e a
captação se intensifica muito. O período que vai de 2008 a 2013 é o
ápice desse processo. É quando acontece o grosso das aquisições na
educação superior, até a Kroton assumir sua forma atual com 126
instituições de educação superior que, juntas, oferecem algo em torno
de 870 mil matrículas. Isso sem contar as instituições de educação
básica. A partir de 2013 a gente viu esse movimento diminuindo. Isso
tem a ver um pouco com a crise claro, mas também com o limite das
barreiras competitivas entre os próprios grupos.
Quando a gente pega os 10 maiores grupos da educação superior hoje,
eles têm juntos mais de 40% de todas as matrículas. E esse grau de
concentração começa a esbarrar em certos limites. O impedimento da
fusão entre Kroton e Estácio em junho de 2017 pelo Cade [Conselho
Administrativo de Defesa Econômica] direcionou a Kroton para a educação
básica. Tanto é que o principal executivo da empresa, Rodrigo Gallindo,
admitiu no contexto da recursa do Cade que, de fato, a educação
superior no Brasil estava saturada, e a Kroton deveria se voltar para a
compra de empresas da educação básica.
Por outro lado, é um cenário de redução do fundo público. O Estado
encontra limites para transferir recursos do fundo público para o
capital. Tanto é que o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] teve que
ser reestruturado novamente.
Como essas mudanças no Fies impactam essa dinâmica de mercado?
Em 2017 já tinha sido totalmente reformulado e em 2018 passou por mais
mudanças para torná-lo mais restritivo. A inadimplência do Fies é
bastante elevada, e aí o governo começou a restringir a porcentagem de
novos contratos que as empresas poderiam fazer. Isso começou no governo
Dilma, com o aumento da taxa de juros do Fies. No período de maior
crescimento do Fies, entre 2011 e 2014, a taxa de juros chegou a 3,4%,
que é praticamente juros negativos, já que a inflação era muito
superior. O ápice foi em 2014, com 731 mil novos contratos. De 2014 para
o ano seguinte já cai pela metade - 315 mil contratos - porque a taxa
de juros vai para 6,5%. Então por um lado a taxa de juros do Fies subiu
e, por outro lado, o governo começou a restringir as possibilidades de
adesão, tanto dos estudantes quanto das instituições de educação
superior, para manter a taxa de novos contratos mais baixa. Isso
significa um endividamento brutal da juventude. Inclusive uma das
políticas do governo Temer que é talvez das mais dramáticas é a
proposição de vinculação do desconto em folha para o pagamento do Fies.
Antes havia um período de carência, que permitia que, em tese, o
estudante entrasse no mercado de trabalho para, depois, começar a pagar o
empréstimo. . O governo Temer reduziu para zero: se formou, começa a
pagar. E até 30% do salário poderia ser automaticamente retido. Agora em
2018 isso entrou em vigor - e é dramático.
O que essa compra significa para a Kroton e sua inserção nesse mercado?
Hoje, na Bolsa de Valores, têm seis grupos que prestam serviços
educacionais, pelo menos. Quatro deles são de educação superior: Kroton,
Ser Educacional, Ânima e Estácio de Sá. Dois são exclusivamente
sistemas de ensino e editoras, que á Bahema e o Somos. O que a Kroton
fez foi adquirir todas essas ações da Somos, que é a majoritária da
Tarpon, que é um fundo de investimento, o mesmo que controla a BR Foods.
A Kroton já era gigante. Ela tem o dobro do tamanho de qualquer outro
grupo. Em termos de ativos financeiros, a Kroton é o maior grupo
educacional do mundo. Na educação superior são 877 mil matrículas, mas
esse dado é de 2016. Praticamente o dobro da Estácio de Sá, por exemplo,
que tem 436,3 mil. A terceira é a Unip, que tem 403 mil matrículas, num
universo de 6 milhões de matrículas no setor privado.
O que esperar da Kroton na educação básica?
A Kroton sempre atuou na educação básica. Ela é o antigo grupo
Pitágoras, fundado em 1966. O que a gente está vendo agora é uma
mudança de estratégia da Kroton. A minha hipótese, pelo que eu tenho
visto dos relatórios para os acionistas, é de assumir o chamado mercado
premium, que são as escolas de renome cujo público-alvo são as frações
mais altas da classe trabalhadora ou a burguesia com mensalidades de R$ 2
a 3 mil por mês, e controlar o mercado de editoras e sistemas de
ensino.
Na educação básica a forma de operação dessas instituições vai ser
muito diferente do que foi na educação superior, onde esses grupos
controladores procuraram ofertar diretamente as matrículas. Vamos olhar
para a Somos Educação, o grosso dela são editoras: Ática, Scipione,
Saraiva, Atual, Saraiva Universitária, Saraiva Jurídica. E o grosso do
Somos é o mercado editorial. E ele não é o único que a Kroton tem
pensado em comprar. O grupo Santillana, por exemplo, que ela está
negociando nesse momento, também envolve operações com editoras. São
editoras e sistemas de ensino.
Quando a gente olha para a educação superior, 75% das matrículas são
privadas. Na educação básica, dos 44 milhões de estudantes, 82% estão
nas instituições públicas. A minha hipótese é a de que esses grupos
controladores vão adquirir os sistemas de editoras e os sistemas de
ensino, porque o foco deles é o fundo público, seu mercado são as
escolas de educação básica públicas.
A editora Ática e a Scipione são duas gigantes de material escolar. O
maior mercado comprador de material didático são as escolas públicas.
Mas ele também tem o Ph, o Sigma, que são sistemas de ensino. São todos
sistemas de ensino que vendem a preparação das aulas, os conteúdos, o
planejamento, o currículo. Atualmente já há entrada [desses produtos]
nas escolas públicas. O Instituto Ayrton Senna trabalha muito com isso,
principalmente no Rio de Janeiro tem muita discussão sobre os sistemas
de ensino, que aparece nas discussões de sistemas apostilados.
Há chance de que a fusão seja vetada pelo Cade, como a compra da Estácio pela Kroton?
Não, porque no caso da educação básica as escolas ainda são muito
descentralizadas, são instituições ainda tipicamente familiares,
relativamente pequenas. A Kroton não vai passar ainda a ser um grupo com
uma presença gigante na educação básica, até por essa escolha de ir
para as escolas premium, mas o estratégico mesmo eu penso que são as
editoras. Porque eu acho que deve ser adotado esse modelo mais próximo
das escolas charter dos Estados Unidos, em que a estrutura e o
financiamento continuam públicos, mas a administração da escola, o
sistema de ensino e os materiais utilizados são privados. E a
participação do Estado é transferir diretamente recursos para o capital.
Quais devem ser as repercussões da entrada desse grande capital para a educação básica?
Isso certamente muda o sentido estratégico da educação básica. Nesse
sentido acho que se coaduna muito com a reforma do ensino médio e a
BNCC. Quando a gente olha o que o capital tem demandado da escola fica
claro como esses projetos estão articulados, embora pareçam isolados. A
Confederação Nacional da Indústria [CNI] em 2010 lançou um documento
dizendo o que ela queria da formação da força de trabalho no Brasil: que
os estudantes soubessem ler e escrever, que fizessem as quatro
operações matemáticas básicas e que compreendessem a lógica formal
simples, ou seja, entendessem que uma coisa tem uma causa e um efeito. E
que isto deveria ser o centro de todos os projetos de reforma que
deveriam ser encadeados pelo governo a partir dali.
A reforma do ensino médio era uma demanda estratégica para esses grupos
controladores da educação superior. A preocupação deles durante toda a
década foi o travamento de matrículas de desistentes no ensino médio.
Porque se você não consegue habilitar os estudantes no ensino médio,
eles não têm diploma para continuar a educação no âmbito superior. Então
era um fluxo de mercado para eles. E eles demandavam que o ensino médio
aprovasse de forma automática, que fosse flexibilizado, que fosse
destituído de um sentido próprio e servisse mesmo como um meio de
trânsito entre o fundamental e a compra de vagas nas instituições
superiores privadas.
A BNCC vem completar e, de fato, instituir que a dimensão do
conhecimento já não é mais um requisito escolar. Daí, se entende a
substituição do conhecimento pelas competências, o que talvez seja um
dos traços mais duros da BNCC. Minha hipótese é que ela flexibiliza o
suficiente para que se consiga ofertar para diferentes escolas e para
diferentes frações de classe diferentes tipos educativos. Você pode ter
essa escola premium para formar as frações que vão dirigir empresas e
negócios, e ter para diferentes tipos de escola pública um
direcionamento das habilidades das competências. Para nós, isso
significa a possibilidade de eles ofertarem diferentes tipos de sistemas
de ensino, conteúdos e materiais didáticos para diferentes frações de
classe.
Como os fundos de investimento têm participado desse processo e quais
os efeitos da ampliação da participação desses fundos na educação
brasileira como um todo?
Na Kroton temos alguns fundos de investimento que chamam mais atenção: o
JP Morgan, Invesco, Coronation, Capital World e o Black Rock. Agora,
esses são só alguns. A Kroton sozinha tem 1.758 investidores
institucionais hoje. Um investidor institucional é um fundo de
investimento, um fundo de pensão, uma seguradora, um banco que compra e
vende na Bolsa de Valores os ativos da companhia. Só um desses fundos, o
Black Rock, tem ativos da Kroton, é um dos maiores investidores dela,
mas também tem ativos em 308 empresas ao redor do mundo. Então você tem
situações como essa da Tarpon, que era dona da Somos, mas também é dona
de uma parcela da BR Foods. Então quando a gente olha hoje para o ensino
superior e olha para a estrutura dos fundos já não dá mais para pensar a
educação de maneira isolada porque ela é um negócio entre outros
tantos.
E porque esse dado é importante?
Porque em termos de educação pública eu penso que nunca experimentamos
um inimigo com uma força social tão concentrada como esse. Uma coisa era
a gente enfrentar donos de instituição privadas associados por meio de
suas entidades federativas brigando contra a educação pública. Outra
coisa é você pegar uma instituição que domina 300 multinacionais. E que
tem a capacidade de determinar o ritmo da economia. Ainda por cima, o
que eu tenho identificado na minha pesquisa, é que esses fundos sequer
são donos de só uma instituição. O [fundo de investimento] Oppenheimer
era dono ao mesmo tempo da Estácio e da Kroton. O Black Rock era dono da
Estácio, da Laureate e da Kroton.
O que a gente está vendo é que a educação é secundária em relação à
valorização do próprio fundo. Se é educação ou se você está vendendo
cerveja, tanto faz, porque o serviço em si não é sequer de conhecimento
dos gestores dos fundos. Não interessa para eles qual é o serviço que
está sendo ofertado. E, no entanto, são forças sociais concentradas com
tamanha inserção em outros setores da economia brasileira que têm a
capacidade de impor as políticas no âmbito do Estado. É o que a gente
chama de se fazer Estado. Por isso eles podem fazer as próprias leis,
alterar as regulações.
Como o Estado vem operando para favorecer a formação dos grandes grupos?
Há mudanças ao longo de todo o período desde o governo Itamar Franco
até hoje na educação superior que vai tornando-a mais flexível no
sentido do que se compreende como universidade, a pesquisa vai se
distanciando do ensino. Isso quer dizer que a universidade vai deixando
de ser o modelo predominante. Quando a gente olha os dados da educação
superior, o grosso dela está baseado nas faculdades e centros de ensino.
A ideia de universidade é algo conservado em algumas universidades
públicas estaduais e federais. Quando a gente olha o que está sendo
produzido em termos de pesquisa hoje no Brasil e o que está sendo
ofertado em termos de ensino a gente vê que são dois movimentos casados.
Mas isso só pode ser feito porque esses capitais tiveram capacidade de,
no âmbito do Estado, se fazer Estado. Ou seja: definir as leis de
operação de mercado, do que é possível o que não é.
Além das alterações na forma de Estado e na própria legislação, a LDB
principalmente, tem outras alterações no mercado financeiro que são
imprescindíveis para o tipo de acumulação que foi feita por grupos
controladores. Esses grupos, por exemplo, são isentos de impostos sobre
renda porque conseguiram alterações na legislação de fundos com as leis
de inovação tecnológica. Hoje, no Brasil, estão isentas as operações que
são consideradas investimentos em ciência e tecnologia. Todos esses
investimentos 'grossos' de fundos na educação superior privada são
isentos de tributação sobre renda. Quer dizer, essa mudança na
legislação foi imprescindível e quem articulou isso foram os próprios
grupos, junto ao governo.
Isso se deu principalmente no governo Lula. Talvez essa seja a lição
mais dura para nós. No governo Lula, esses capitais fizeram a própria
legislação através da Andima [Associação Nacional das Instituições do
Mercado Financeiro], e eles próprios emitiram a documentação sobre a
regulação da operação dos fundos.
Isso tem a ver com o projeto desenvolvimentista, das campeãs nacionais?
Exatamente. Quem articulou esse movimento de financeirização como
chamamos foi a construção civil, o agronegócio. E todos os setores
experimentaram isso no ciclo de crescimento do governo Lula. Entre
meados de 2006 até 2011 tem um ciclo de crescimento que permitiu que uma
quantidade gigantesca de capitais se acumulasse na forma monetária. E
esses capitais foram encontrando formas de se investir. Agora, os fundos
de investimento hoje no Brasil são predominantemente estrangeiros. Quer
dizer, é capital estrangeiro que vem no Brasil participar da acumulação
capitalista, sai daqui sem nenhuma tributação sobre renda, e ainda
recebe outros tipos de isenção ou benefícios tributários ofertando
matrículas, como no caso do Prouni e do Fies.
Além do Prouni e do Fies, o mais chamativo programa atende pelo nome de
Proies [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das
Instituições de Ensino Superior]. Ele permite a uma instituição
converter até 90% de suas dívidas em emissões de títulos do Tesouro. Ou
seja, emitir dívida pública. Desde que elas convertam isso em matrículas
no ProUni. Os autores que analisam o ProUni têm identificado que são as
matrículas de pior qualidade. As universidades têm autonomia para
definir quais são as vagas que elas ofertam pelo Prouni, então a gente
imagina que um estudante está cursando medicina, engenharia... Não é
assim. São cursos sequenciais, de curta duração, de dois a três anos,
normalmente de habilitação tecnológica. Parte dessas matrículas é feita a
distância, com material muito fragmentário.
Como movimento de avanço do capital financeirizado hoje expresso na
expansão da Kroton sobre a educação básica se articula com as
formulações de organizações multilaterais, como a OCDE e Banco Mundial,
que recentemente lançou um relatório com recomendações para a educação e
para a saúde?
O Banco Mundial, por exemplo, é composto por vários braços. Um desses é
o que a gente chama de IFC [Corporação Financeira Internacional], que
funciona oferecendo crédito. Ele foi primordial para a expansão da
educação superior nesses moldes no Brasil. Só nesses grupos, ele fez
cinco operações estratégicas: três para a Estácio, uma para o grupo
Laureate e uma para o grupo Ser Educacional, envolvendo valores de até
US$ 150 milhões. Tudo para poder aumentar o grau de concentração a
partir da compra e venda de instituições. Não é só fornecendo o aparato
ideológico e que fundamenta esses projetos sobre a gestão pública, sobre
a reforma do Estado, como a gente vê nesse documento ‘Um Ajuste Justo’
que o Banco Mundial lançou pra apoiar o ajuste fiscal. Além disso, há o
braço financeiro dessas organizações multilaterais atuando. E não é à
toa, mais de 90% desses fundos de investimento são de capitais
estrangeiros e são os fundos que participaram da crise econômica nos
Estados Unidos em 2008. O interesse dessas instituições multilaterais
está casado com o fato de que se trata de capitais internacionais se
valorizando no Brasil. O mesmo processo que tem acontecido com portos,
aeroportos, estaleiros.
Isso tem consequências para a educação como um todo...
O que a gente tem visto é um aprofundamento do lugar do Brasil na
divisão internacional do trabalho. Eles conseguem pegar a gente por um
lado pela oferta desse ensino, nesses moldes, uma educação fragmentária,
rarefeita, em que a dimensão do conhecimento já não faz mais parte de
nenhum processo de escolarização, é substituído por outras concepções,
como competências, habilidades socioemocionais; e por outro lado nos
pegam pela produção científica. A Capes contratou uma subsidiária da
Pearson, a maior editora científica do mundo, dona da Wizard, dona de
várias instituições, para fazer um levantamento da situação da pesquisa
hoje no Brasil. E eles identificaram que nenhuma pesquisa é produzida
nessas instituições privadas. O grosso da pesquisa hoje no Brasil
acontece em instituições públicas. E das 20 maiores companhias com
interesse na produção científica brasileira, só uma é brasileira, que é a
Petrobras. Tirando a Petrobras, 15 instituições são farmacêuticas ou
bioquímicas. O que demonstra como o lugar do Brasil hoje na ciência
mundial é o de pegar a nossa fauna e a nossa flora, catalogá-las, e
enviar para os centros de pesquisa internacionais utilizem esses
conhecimentos para produção de medicamentos. Que nós compramos de volta
pelo SUS. Então a gente tem a Bayer, a Novartis, a Pfizer, a Roche,
Johnson & Johnson. Por um lado acho que a gente tem visto um ajuste
da produção das universidades públicas que produzem pesquisa, se
readequando para as parcerias público-privadas, para uma relação cada
vez mais estreita com esse tipo de produção científica e tecnológica e,
por outro lado, um braço articulado com o ensino que é a formação para a
juventude que é essa no modelo que a gente tem visto nesses grandes
grupos.
E agora se voltando para a formação básica.
Exatamente. Os dois ajustam a formação da força de trabalho com o tipo
de lugar que a gente tem na produção científica mundial. É o
desenvolvimento do subdesenvolvimento. Chega a casos grotescos: o braço
de agrotóxicos da Bayer é um dos mais relacionados com as universidades
brasileiras, e o outro é o braço que vende quimioterápicos. Eles
envenenam e depois vendem o quimioterápico. Não seria possível isso sem
SUS, sem educação básica pública. Por isso que essas formas de
articulação entre o fundo público e os interesses desses grandes
capitais é fundamental. Mas o eixo é a questão da dependência. A nossa
tendência seria pensar que eles estão destruindo a educação. Não estão.
Estão adequando a educação ao tipo de lugar que foi determinado para o
Brasil no mundo. O que a CNI está demandando em termos educacionais hoje
pra formação da força de trabalho? Saber ler e escrever e saber que se
eu solto um objeto ele cai no chão. O tipo de educação básica que eles
estão dispostos a ofertar, seja na educação básica ou superior, e na
infantil também, é perfeitamente alinhada a um projeto de país
subordinado. Quando a gente olha a questão da dependência a gente vê que
não são erros, não são pontos fora da curva; é um eixo articulador que
ao longo desses governos foi se aprofundando e, agora sob o governo
Temer, ganhou muito mais intensidade.
Fonte: SITE fiocruz http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/em-termos-de-educacao-publica-nunca-experimentamos-um-inimigo-com-uma-forca
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