Duas denúncias que repercutiram nesta semana demonstram a dimensão do fenômeno da privatização da educação, que, depois de financeirizar, oligopolizar e desnacionalizar em larga escala o ensino superior brasileiro, estende os tentáculos da busca por lucros com alcance cada vez maior sobre a educação básica. E isso, agora, amparado na proposta ilegítima de reforma do ensino médio via medida provisória e na retirada de recursos da educação pública pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 e pela entrega do pré-sal ao capital estrangeiro — três medidas, contra as quais os estudantes secundaristas têm protestado com manifestações e ocupações nas escolas públicas, como a do Colégio Estadual Central em Belo Horizonte (MG), visitada ontem (6) pelo coordenador-geral da Contee, Gilson Reis.
O primeiro sinal dado nesta semana foi o fato de o Ministério da Educação ilegítimo ter omitido da lista de notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por escola a avaliação dos institutos federais. Para a Contee, o objetivo escuso, antes do reconhecimento do “equívoco”, é claro: alardear a ideia de uma suposta superioridade do setor privado sobre a rede pública, uma vez que as primeiras manchetes sobre o ranking davam conta de que 97 entre as cem escolas melhor colocadas eram particulares. O Proifes-Federação, que representa os professores e técnicos administrativos que trabalham nos institutos federais, afirmou que “a ausência é um absurdo e tem um propósito claro de justificar ou esconder medidas que atacam os avanços conseguidos nos últimos anos a exemplo do anúncio recente da proposta de reforma do ensino médio, através de medida provisória e sem nenhuma discussão com a sociedade”.
A segunda jogada, dessa vez por parte dos próprios empresários do ensino, foi denunciada pelo jornal O Estado de São Paulo, na verdade, no ano passado, mas voltou a ser compartilhada pelas redes sociais nesta semana. Na ocasião, o Estadão afirmava que o resultado do Enem por instituição revelava o aumento da prática, entre as escolas particulares, de separar os alunos em unidades e/ou CNPJs diferentes para parecerem melhores do que realmente são. O objetivo, segundo a reportagem, é usar essa informação em materiais publicitários para que consigam captar mais alunos ou, em alguns casos, para que vendam com mais facilidade seus materiais didáticos.
Essa questão da venda de materiais didáticos, aliás, cumpre um papel crucial no processo de privatização, porque não se trata apenas de garantir matrículas no setor privado, mas também permitir a ele que se infiltre na rede pública. No fim de agosto, durante o 9° Conatee, foi lançado o livro “O capital global na educação brasileira”, pela Editora Anita Garibaldi, cuja organização é da coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto. Na publicação, ao refletir sobre a privatização na educação básica, a diretora da Confederação aponta, por exemplo, a atuação no Brasil do Pearson, grupo inglês que, em 2014, adquiriu a Editora Abril.
Dos vários programas que esse grupo oferece, Madalena destaca, em seu artigo, o Núcleo de Apoio a Municípios e Estados (Name), designado como “sistema de ensino para as escolas públicas de educação básica”. “Ele iniciou suas atividades em 1999, estabelecendo parcerias pedagógicas com o ensino público em algumas cidades do estado de São Paulo. A partir do sucesso da implantação nesses locais, segundo a avaliação da Pearson, hoje o Name se estende por 140 municípios brasileiros e atinge mais de 200 mil alunos”, ressalta a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee. Segundo ela, o oferecimento desse programa promete justamente se articular “completamente às políticas de avaliação das escolas”, casos do Ideb e até do próprio Enem.
Como Confederação que representa cerca de 1 milhão de professores e técnicos administrativos da educação privada em todo o Brasil, a Contee conhece bem de perto a realidade do setor e sabe que, por mais que os lucros aumentem exponencialmente, pouco ou nada é repassado aos trabalhadores, que, em sua grande maioria, não têm garantia de plano de carreira, valorização salarial, pagamento de atividades extraclasse nem gestão democrática nos estabelecimentos em que atuam. Ao contrário, nas últimas negociações salariais, a justificativa da “crise” foi usada sem parcimônia para negar reajustes, ao passo que o “mercado da educação” cresce a olhos vistos.
Para a Contee, a educação privada deve, sim, ser uma alternativa democrática à educação pública — mas a uma educação pública forte, gratuita, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada —, e não ser apresentada às famílias e à sociedade como a única opção diante de um Estado que, como o governo ilegítimo tenta fazer ainda mais, sucateia o ensino público. Por isso, a Contee tem como uma de suas principais bandeiras de luta a regulamentação da educação privada sob exigências legais idênticas às aplicadas à rede pública. Só assim será possível combater a lógica perversa que tanta retirar a educação do rol dos deveres do Estado e direitos de cada cidadão e tratá-la como mercadoria.
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