Em
1993, oito jovens foram mortos no Rio de Janeiro por policiais militares que
atiraram de um carro não oficial.
No mesmo ano da chacina, 4.782 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil, segundo o Mapa da Violência / Fernando Frazão/ABr
Vinte e três anos após a Chacina da Candelária, as políticas públicas para crianças e adolescentes não avançaram, avalia Patrícia de Oliveira, fundadora da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. Oito jovens, com idades entre 11 e 19 anos foram assassinados no dia 23 de julho de 1993, a maioria deles diante da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro (RJ). Policiais militares atiraram de dentro de um carro não oficial contra cerca 50 jovens que dormiam no local.
“Se você for na frente da Defensoria do Estado ou do Ministério Público, no centro, vai ter um monte de crianças dormindo lá. É o lugar que eles se sentem seguros para não serem assassinados. Durante todo esse tempo, as autoridades não fizeram nada para mudar essa realidade. A única política pública que é discutida é a redução da maioridade penal”, afirma
Patrícia.
Em 1993, ano
da chacina, 4.782 crianças e adolescentes foram assassinados no país, segundo o
Mapa da Violência. Em 2013, último dado disponível da pesquisa, foram 10.520.
Entre jovens
de 16 e 17 anos, os homicídios representam 46% das mortes por causas externas,
enquanto nos anos 80, a participação era de 9,7%.
A chacina da
Candelária aconteceu um ano depois do Estatuto da Criança e do Adolescente
entrar em vigor. Mesmo depois de mais de duas décadas, não há consenso sobre o
que levou os policiais e ex-policiais dispararem contra os jovens. Entre as
versões já contadas, estão a vingança por um assalto à irmã de um policial
militar, a vingança pelo deboche infantil de um garoto apreendido por cheirar
cola e depois liberado.
O irmão de
Patrícia foi um dos jovens gravemente feridos durante a chacina. Ele foi posto
dentro de um carro, antes dos disparos na frente da igreja e baleado quatro
vezes. O rapaz foi uma das principais testemunhas do caso, o que o tornou alvo
de outro atentado, em 1994.
As ameaças
contra ele o fizeram se tornar uma das primeiras pessoas de programas de
proteção à testemunha do país. Hoje, cego, surdo e com diversos outros
problemas de saúde causados pelos ferimentos que sofreu, ele vive fora do país.
Dos pelo
menos seis policiais que foram investigados pelo crime, apenas três foram
condenados. Um deles cumpriu 18 anos de prisão e depois fugiu. Patrícia, no
entanto, acredita que as mudanças têm que ser mais estruturais do que
punitivas.
“Os
policiais foram presos, expulsos e acabou a história. Você não vê os
governantes fazendo nada que altere de verdade a realidade. Sequer falam em
construir um memorial no Rio de Janeiro”, pontua. “O discurso dos nossos
governantes só incita mais o ódio e a violência”, acredita.
Engajamento da sociedade
Para
Valdinei Geraldo Martins, coordenador do projeto Meninos e Meninas em Situação
de Rua, entidade filantrópica da São Martinho que na época da chacina deu
assistência psicológica para os sobreviventes, acredita que houve uma mudança
no perfil da população de rua.
Atualmente,
os adolescentes são a maioria, diferente de 93, quando o número de crianças era
grande. Ele acredita que essa mudança é fruto do maior engajamento da sociedade
na causa da infância.
“A gente
percebe que a causa da infância ganhou maior atenção. Programas de renda mínima
tão criticados por certos setores da sociedade ajudam a manter as crianças
em casa. A própria escola, apesar dos problemas… A gente percebe que
existe uma preocupação para que as crianças a frequentem”, avalia.
Por
outro lado, a juventude não tem seus anseios atendidos, avalia. “As
necessidades das crianças e dos adolescentes são diferentes. As aspirações são
outras. Estamos em uma sociedade marcada pelo consumo, pelo capitalismo. E os
adolescentes eles também estão envolvidos por isso. Há uma pressão social muito
forte, midiática, que empurra as famílias de maneira violenta”, afirma o
gestor.
“Essa
realidade da aglomeração no entorno daquela região não acontece mais em virtude
das modificações que a sociedade sofreu e porque hoje o Rio de Janeiro está no
centro dos olhares do mundo. Mas isso não quer dizer que em outros lugares essa
concentração não aconteça. A maioria são meninos, com idade entre 12 e 17 anos,
com baixa escolaridade, vindos de famílias monoparentais, em que a mãe ou a avó
materna são a única referência familiar”, afirma Martins.
Gisele Brito
São Paulo
(SP), 22 de Julho de 2016
Edição:
Camila Rodrigues da Silva
Fonte: Brasil de Fato
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