A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do MPF (Ministério Público Federal), encaminhou nesta sexta (22) ao Congresso Nacional uma nota técnica em que aponta a inconstitucionalidade do projeto de lei 867/2015, que inclui o programa Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional.
O projeto de lei tramita na Câmara, com autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF). Outra proposta de teor semelhante tramita no Senado, assinada pelo senador Magno Malta (PR-ES), integrante da bancada evangélica. Uma consulta públicaaberta na última segunda (17), sobre a matéria, já somava quase 700 mil participações até a tarde desta sexta. Segundo o MFP, porém, o documento que servirá como subsídio para a análise do projeto da Câmara valerá também "para todas as proposições legislativas correlatas".
Na nota técnica, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirma que o projeto "nasce marcado pela inconstitucionalidade". A justificativa é que o artigo 205 da Constituição Federal traz como objetivo primeiro da educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania. "Essa ordem de ideias não é fortuita. Ela se insere na virada paradigmática produzida pela Constituição de 1988, de que a atuação do Estado pauta-se por uma concepção plural da sociedade nacional. Apenas uma relação de igualdade permite a autonomia individual, e esta só é possível se se assegura a cada qual sustentar as suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida", escreveu a procuradora.
"O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado. Impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado – todos esses direitos previstos na Constituição de 88 ", destacou a procuradora.
A nota técnica ainda reforça a importância de "desmascarar o compromisso aparente que tanto o PL como o Escola sem Partido têm" com as garantias constitucionais, "a começar pelo uso equivocado de uma expressão que, em si, é absurda: "neutralidade ideológica' ".
"O que se revela, portanto, no PL e no seu documento inspirador é o inconformismo com a vitória das diversas lutas emancipatórias no processo constituinte; com a formatação de uma sociedade que tem que estar aberta a múltiplas e diferentes visões de mundo; com o fato de a escola ser um lugar estratégico para a emancipação política e para o fim das ideologias sexistas – que condenam a mulher a uma posição naturalmente inferior, racistas – que representam os não brancos como os selvagens perpétuos, religiosas – que apresentam o mundo como a criação dos deuses, e de tantas outras que pretendem fulminar as versões contrastantes das verdades que pregam."
Encaminhamentos
Além do Congresso, a nota técnica será encaminhada também ao ministro da educação, Mendonça Filho, e a entidades como o CNDH (Conselho Nacional de Educação, o Conselho Nacional de Direitos Humanos), o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e à Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Idealizador do ESP se diz "surpreso" com reação contrária
Em entrevista ao UOL, esta semana, o procurador Miguel Nagib, idealizador do movimento Escola sem Partido, afirmou ficar surpreso com os posicionamentos contrários à iniciativa.
"Me pergunto: como alguém pode votar contra esse projeto? Quem é contra, reivindica os direitos que o programa nega ao professor – o de se aproveitar da presença obrigatória dos alunos em sala para promover seus próprios direitos, opiniões, preferencias ideológicas ou políticas. Em suma, o direito de fazer propaganda política dentro da sala de aula", disse, para completar: "Quem faz oposição são professores que não querem e não aceitam os limites colocados pelo programa -- defendem, portanto, o direito de praticar essas condutas. Não há outra posição lógica a essa visão. Mesmo discordando do programa, vejo que alguns professores não querem que seus alunos fiquem sabendo que essas obrigações existem – porque não querem que a sua autoridade seja confrontada."
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