A demissão de 1.200 professores anunciada na terça-feira (5) pela Estácio, segunda maior instituição de ensino superior do país, prejudica a imagem da reforma trabalhista e pode atrapalhar os esforços pela reforma da Previdência.
A opinião é do empresário Chaim Zaher, que até agosto era o maior
acionista individual da Estácio, antes de vender as suas ações. O corte
em massa foi interpretado como um primeiro sinal avassalador da reforma,
mas para ele se trata apenas de uma ação da empresa em busca de
resultados financeiros e não será uma tendência no setor.
Zaher agora torna pública a decepção que o levou a deixar a companhia,
listada em Bolsa, e está cético em relação ao papel do capital
financeiro na educação.
"O mercado financeiro quer resultado no curto prazo. Muitas vezes, isso
fere um pouquinho a qualidade", constata o empresário, que recentemente
comprou a rede infantil Maple Bear no Brasil e recomprou o sistema de
ensino Pueri Domus, entre outros ativos.
Ele conclui que "quem acabou com o [crédito estudantil] Fies foram os próprios donos das instituições".
"Em vez de fazerem o Fies cumprir sua função social, de atender o aluno
que não podia pagar, eles ofereceram a quem podia pagar."
O empresário nega que o esgotamento do Fies tenha motivado sua saída da
Estácio e vê o seu renovado interesse pelo ensino básico como um retorno
às origens.
O empresário Chaim Zaher, que foi o maior acionista da Estácio
Folha - A demissão em massa na Estácio foi vista como o início da reforma trabalhista. Será uma tendência no setor?
Chaim Zaher - Sou frontalmente contra [a demissão]. A reforma
trabalhista tem que vir para ajudar, e não para esse tipo de ação. É
anormal demitir tantos professores de uma vez. A instituição que fizer
isso vai ver decair a qualidade com certeza. Não se pode confundir uma
ação isolada de alguém que quer buscar resultado com uma tendência na
educação. Muitos educadores jamais fariam isso, e por isso, às vezes,
até atravessam dificuldade.
Tem impacto político?
Você vê que proporção tomou? Um estrago. Isso prejudica a imagem da
reforma trabalhista e até a da Previdência. Essa ação isolada pode
atrapalhar as reformas que são benéficas para o país.
Como essa ou outras escolas que venham a demitir vão conseguir substituir tantos professores de uma vez?
Não tem 1.200 parados. Não pode contratar os mesmos. Na minha opinião,
essa demissão é uma busca por resultado [financeiro]. Se eu estivesse no
conselho da Estácio, nunca admitiria isso. É um dos motivos que me
fizeram sair.
Nos protestos dos alunos contra essa demissão, eles gritam "volta Chaim". O sr. não se arrepende de ter vendido?
Eu sou cobrado pelos alunos. Por um lado, é bom ver que teve satisfação,
que eles reconheceram. Mas não posso fazer nada. Infelizmente. Fico com
dor no coração. Agora tem a Advent. É um pessoal sério, vão tomar uma
posição.
As duas maiores concorrentes do setor, Kroton e Estácio, tentaram uma
fusão neste ano, mas foram barradas pelo Cade [órgão que avalia
questões de concorrência]. A consolidação do ensino superior no Brasil
tem limite?
A maneira com que foi feito [o negócio] foi muito errada. Iria
consolidar demais. Não tenho nada contra a Kroton querer ser a maior do
mundo, mas na compra da Anhanguera [negócio anunciado em 2013], o Cade
deu um sinal de que eles já eram grandes.
Depois disso, de novo, ela vai para o mercado e quer comprar o segundo
colocado [Estácio]. Essa insistência não foi boa. Desde o início eu fui
contra. O erro foi ter acionistas que eram da Kroton e da Estácio
pressionando para que saísse o negócio.
Por que o sr. saiu da Estácio depois da negativa do Cade?
Quando eu entrei na Estácio, vi ali uma joia que poderia se consolidar
no segundo lugar ou até buscar o primeiro, mas com qualidade. Recebi a
garantia de que eu ficaria na presidência do conselho se eu fizesse a
fusão, o que não aconteceu. Foi a minha primeira frustração. Minha
proposta no conselho da Estácio era formar um grupo de excelência. Mas o
pessoal de capital aberto tem que dar satisfação para o investidor.
Essa mistura do capital financeiro com educação é tóxica para a qualidade do ensino?
Depende de quem está à frente. Eu era o maior acionista da Estácio e
nunca consegui agir. Essa foi a minha frustração. Eles enxergam
acionista relevante como um pecado, que pode definir o rumo da
instituição, que vai pensar a médio e longo prazo. Mas médio e longo
prazo não condiz com o mercado financeiro, que quer resultado de curto
prazo.
Não estou dizendo que eles estão errados. O executivo ganha por buscar
resultado e valorizar a ação. Muitas vezes, isso fere um pouquinho a
qualidade. Tem instituição que corta tanto custo, falta até papel
higiênico para o aluno. A médio e longo prazo isso detona a instituição.
Esses acionistas que querem resultado saem daqui a pouco, pegam outra
coisa e vão embora.
Com essa barreira à consolidação do ensino superior, o médio é a bola da vez?
Ensino médio é diferente do adulto. Ensino infantil e médio tem que ter
orientação. Precisa estar às 6h da manhã na porta da escola
recepcionando pais. Você não vê isso em educação superior. Eles nem
conhecem. Mas talvez pela pressão de ter algo para dar satisfação ao
mercado, ele parte para o ensino médio. Acho um equívoco querer
misturar. Pode até fazer, mas tem que ser independente.
Por que os negócios são tão diferentes?
Um negócio não fala com o outro. Não dá para colocar aluno de ensino
fundamental dentro de uma universidade, que é o que a Estácio está
querendo fazer. Aluno de superior não gosta de estudar onde tem aluno de
ensino fundamental e vice-versa. Usar o prédio quando estiver vazio é
uma hipótese, se tiver infraestrutura. Mas o diretor não está habituado.
Que vantagem o setor tem ao buscar o ensino médio, se a margem é mais
baixa? Só estão indo porque fechou a janela para a consolidação no
ensino superior?
No caso da Kroton, sim. Para os outros ainda não fechou. Mas alguns
querem entrar na onda. A Kroton está bem definida, tem um plano e uma
meta. Se não conseguem mais comprar para crescer, vão para outro
mercado.
O sr. parece estar voltando para onde começou. Por que?
Porque eu gosto. É meu DNA. Comecei com cursinho e ensino médio. Talvez
eu estivesse errado ao querer ir para o superior e dar a qualidade que
eu dou no ensino médio.
Qual é a dificuldade no superior?
O governo deveria olhar mais como são feitos esses investimentos. Muitos
são especulativos. Em educação deveria ser mais consistente. O governo
até tem ajudado muito a educação, quando abre Prouni ou o próprio Fies.
Quem acabou com o Fies foram os próprios donos das instituições. Eles
foram com muita sede ao pote. Em vez de fazerem com que o Fies cumprisse
a função dele, que era social, de atender aquele aluno que não podia
pagar, eles ofereceram para quem podia pagar. Para a escola era
vantajoso passar no Fies. Eles acabaram com isso e hoje estão sofrendo
as consequências. O governo fez muito bem em por ordem na casa.
Esse esgotamento do Fies também foi um motivo que levou o sr. a sair da Estácio?
Não. Na Uniseb não tinha nem Fies.
Mas no seu período de Estácio, ela se beneficiou do Fies.
Muito. Todas. Foi a época da vaca gorda.
O sr. não pensa em voltar a abrir o capital?
Eu sou diariamente procurado por grandes fundos querendo entrar comigo.
Não tenho interesse. Vou abrir o capital da empresa? Até posso pensar,
mas desde que entendam que é para crescer. Eu tenho pensado muito se
vale a pena. Atualmente, todo o investimento que estou fazendo é
próprio. Não estou dizendo que nunca mais eu volto. Posso voltar, desde
que eu possa montar universidades com qualidade.
> Ingressou no setor de educação vendendo matrícula de escolas na década de 1970; nos anos 1980, comprou o COC
> Fundou, em 1999, as Faculdades COC, que originaram a Uniseb
> Em 2013, vendeu a Uniseb à Estácio, da qual virou acionista; vendeu sua participação neste ano Atuação
Em 2016, fundou a Concept para investir em educação infantil e fundamental
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