Por Andréa L. Harada Sousa - diretora-presidente do Sindicato dos Professores e Professoras de Guarulhos – Sinpro Guarulhos.
Escolas que
adotaram atividades remotas com uso de tecnologias educacionais durante essa
crise parecem sugerir que a tecnologia espontaneamente executa o trabalho pedagógico
“A
delinquência acadêmica caracteriza-se pela existência de estruturas de
ensino em que os meios (técnicas) se tornam fins, e os fins formativos
são esquecidos(…).”
Maurício Tragtenberg
Covid-19 e escolas privadas
A necessidade de distanciamento
social imposta pela pandemia de coronavírus se impôs também na educação.
Desde o dia 23 de março, as aulas foram interrompidas nas escolas
públicas e privadas do estado de São Paulo, e algumas escolas
particulares já tinham suspendido aulas na semana anterior.
A suspensão das aulas é uma medida
drástica do ponto de vista pedagógico e dos sentidos mais amplos da
educação: rompem-se processos de ensino-aprendizagem em andamento,
suspende-se a interação e a vivência propiciadas pelo ambiente escolar e
toda sua complexidade, desmonta-se a rotina de estudantes e de suas
famílias, para citar alguns elementos. Posto isso pretendo discutir aqui
o trabalho de professoras e professores, bem como alguns efeitos
colaterais das medidas adotadas.
Com a interrupção das aulas e o
fechamento das escolas privadas, houve um deslocamento da escola para
dentro da casa dos estudantes, mais precisamente para a tela de seus
computadores e celulares. Escolas privadas, em sua maioria,
disponibilizaram plataformas, sistemas, aplicativos e redes que pudessem
simular alguma normalidade nesse período.
Embora a repercussão em torno da
eficiência da escola privada em prover alternativas diante da crise
tenha sido grande e entusiasmado diferentes mercadores educacionais
interessados em aproveitar a oportunidade para a ampliação de um mercado
(de programas e serviços educacionais mediados por tecnologias)
potencializado pela crise, há um aspecto fundamental na transferência da
escola e de seus saberes para as casas de estudantes: o trabalho de
professoras e professores.
Da tela pra cá é diferente: a rotina de professores durante a interrupção das aulas
Professores e professoras são
fundamentais e indispensáveis nesse processo. Parece óbvio. Assim como
parece óbvio que a tecnologia aplicada à educação básica não pode
prescindir do trabalho de professores e professoras. Mas não é. Escolas
que adotaram atividades remotas com uso de tecnologias educacionais
durante essa crise parecem sugerir que a tecnologia espontaneamente
executa o trabalho pedagógico.
Repentinamente, professores e
professoras viram suas casas transformadas em estação de trabalho para
produção de conteúdos, aulas-online e atendimento remoto para que a
“escola” pudesse continuar funcionando na casa e na tela dos estudantes.
Visando oferecer uma solução rápida aos seus clientes, que supostamente
viabilizasse a continuidade das atividades pedagógicas, as escolas
estimularam o ensino a distância. Não houve tempo suficiente e tampouco
planejamento para essa mudança.
Essa alteração abrupta trouxe consigo
problemas imediatos para os docentes: adaptação a novas linguagens e
ferramentas, suporte para aulas, necessidade urgente de criar diferentes
estratégias pedagógicas, providenciar equipamentos adequados a essa
nova demanda, disponibilizar canais pessoais para esclarecer dúvidas e
desenvolver outro repertório, superando inclusive dificuldades
subjetivas, para momentos de interação virtual. Sem ignorar os problemas
enfrentados pelos estudantes, que também são vários, muitos docentes ao
relatarem seu cotidiano de trabalho constatam que da tela pra cá é
diferente.
Muitos professores passaram a
vivenciar uma realidade dramática, para além de toda a crise deflagrada
pela Covid-19. Alguns – experientes e habituados com a sala de aula –
não conseguiam gravar aulas (uma professora com vinte anos de
experiência me disse que tentara por 5 horas gravar uma aula, mas que
ela tinha dificuldades com a câmera); outros perceberam que sua jornada
tinha se alongado demais após a interrupção das aulas, obrigando-os a
trabalhar muito mais para alimentar os diversos recursos tecnológicos
adotados pelas escolas, preparar novas abordagens e atender alunos, além
do trabalho habitualmente realizado: preparar aulas, corrigir
atividades e provas.
Dois outros elementos compõem esse
cenário: maior cobrança das escolas para que os prazos sejam cumpridos,
para que novos conteúdos sejam enviados e para que a máquina tecnológica
“entregue” a eficiência que a escola prometeu aos seus clientes; e
maior vigilância por parte das escolas e das famílias que, em alguns
casos, passaram a acompanhar aulas, rompendo noção elementar do mundo
trabalho docente: a liberdade de cátedra. A combinação entre pressão por
produtividade e maior vulnerabilidade diante de espectadores alheios ao
processo pedagógico em si também tem resultado em angústias e
sofrimento psíquico, comprometendo a saúde mental dos docentes.
Já quem leciona para Educação
Infantil e Fundamental I vive uma dificuldade adicional, pois crianças
nessas faixas etárias dependem ainda mais da intervenção direta da
professora para realização de atividades, o que tem levado algumas
docentes a fazerem, além das atividades para alunos e alunas, tutoriais
para os pais poderem desenvolver e aplicar atividades em casa.
Ademais, professores e professoras
viram-se diante da necessidade de oferecer – eles próprios – os
instrumentos para execução de seu trabalho: local adequado,
computadores, fones, câmeras, cadeiras, energia elétrica, conexão de
banda larga, sendo obrigados a compartilhar os custos do negócio com
seus patrões. Nesse sentido, a fronteira entre casa e escola, assim como
entre a vida pessoal e o trabalho foi rompida, contribuindo para uma
rotina de trabalho permanentemente intensificada.
Algumas escolas rejeitam o emprego do
termo EaD para designar o que ora acontece na educação privada e já
começa a acontecer nas escolas públicas, preferem “escola a distância”,
“atividades online” ou “educação remota” e o fazem alegando que o EaD
tem uma legislação que o disciplina. O problema neste caso está longe de
ser terminológico, até porque a legislação disponível sobre EaD,
sobretudo no que diz respeito ao trabalho de professores e professoras,
mais indisciplina que disciplina. Essa posição parece indicar o desgaste
que o modelo EaD já sofre por conta do esgotamento a que conduziu
cursos importantes no ensino superior, sobretudo os de licenciatura, que
hoje têm quase a totalidade da oferta de vagas na modalidade a
distância. Por isso sustentamos que para além da questão terminológica,
está a ameaça que nos ronda.
EaD e as ameaças ao trabalho docente
Muito antes da pandemia e da crise
que ela encerra, a educação básica vinha sendo objeto de interesse de
grandes grupos educacionais mercantis que anunciavam sua estratégia de
transferência de foco empresarial do ensino superior privado para a
educação básica1. A experiência do que ocorreu nas faculdades pode nos ajudar a antever os riscos diante dos quais estamos.
Essa debandada deveu-se,
especialmente, ao encolhimento do Fundo de Financiamento da Educação
Superior (Fies), que restringiu o acesso dos empresários da educação ao
dinheiro público que subsidiava bolsas do ensino superior. Como medida
compensatória, houve o afrouxamento progressivo da legislação para
oferta de cursos na modalidade “a distância” – o EaD –, que hoje supera o
presencial em número de vagas.
O uso de recursos tecnológicos e o avanço do EaD no ensino superior tornaram obsoletos grandes campi,
os quais viraram salas ociosas e prédios fantasmagóricos. Há muitas
particularidades no ensino superior em relação à educação básica (nosso
objeto, neste texto), entretanto pretendemos demonstrar que a pandemia
ofereceu o contexto oportuno para que a lógica de funcionamento da
educação a distância fosse testada em larga escala na educação básica,
convertendo a totalidade das escolas e dos setores em um grande
laboratório para sua experimentação.
Isto porque a tecnologia aplicada à
educação fez crescer o interesse em diferentes recursos – de plataformas
a aplicativos – defendidos por empresários, como recursos que serviriam
tanto para estreitar a comunicação da escola com a família, como também
para tornar mais modernos e eficientes os sistemas de ensino.
Ocorre que tais recursos encontravam resistência na educação básica. E não sem motivo.
No ensino superior, a defesa da expansão do EaD sustentou-se entre outros fatores2
em uma suposta autodidaxia por parte dos estudantes que parecia
favorecer a modalidade em que o convívio, a interação e o relacionamento
fossem secundários. O que não se vislumbra na educação básica, com
crianças e jovens mais dependentes da interação e do relacionamento,
além de a escola cumprir um papel mais universal de formação.
É certo que as tecnologias
apropriadas pelo capital nos mais diferentes setores têm como pano de
fundo amplos interesses neoliberais – econômicos, políticos e
ideológicos – que criaram um arcabouço de estratégias de mesma matriz – a
eficiência e o controle sobre os processos de produção e, para que essa
ideia fosse difundida, criaram também um vocabulário correspondente que
hoje ilustra a linguagem utilizada nas propagandas do EaD. Entre os
conceitos que compõem esse léxico neoliberal, destaca-se a ideia de
flexibilidade.
No caso da educação, a referida
flexibilidade se aplica tanto à estrutura física da escola (com espaços
multifuncionais), como aos currículos (que devem incorporar a autonomia
dos estudantes em percursos próprios na busca pelo conhecimento) e
professores (que precisam abandonar suas funções tradicionais em favor
da mediação e da animação), e tem servido de substrato para a defesa da
formação de indivíduos adaptáveis a diferentes mudanças do mundo
contemporâneo, principalmente no mundo do trabalho.
Algumas tendências pedagógicas, antes
mesmo do avanço tecnológico, reivindicavam equiparação entre ensinar e
aprender e pretendiam elevar a autonomia dos estudantes (como exercício
de autodidaxia precoce), ainda que mascarada genericamente pelo slogan
“aprender a aprender”. Essa suposta autonomia dos estudantes tem sido
também utilizada, mais recentemente, em metodologias como a chamada sala
de aula invertida e reivindicado para educação processos “dinâmicos”,
“disruptivos”, “integrados”, “simultâneos”, “híbridos”. Um dos problemas
desses modelos pedagógicos é que eles compreendem como fundamentais os
processos de aprendizagem e secundarizam o ensino como parte do mesmo
processo. Resulta também daí a hipótese, ora em teste pelos mercadores
da educação, de que a centralidade do professor (como categoria
profissional) na educação tenha de ser redimensionada ou flexibilizada
para abrigar novos interesses “modernos”.
De modo geral, as pedagogias da
inovação sempre estiveram relacionadas aos “reformadores empresarias da
educação” (FREITAS, 2012) que transferiam experiências do mundo
corporativo, inclusive do corporativo educacional, para escolas. Daí a
já conhecida influência de institutos e fundações privados na gestão da
educação pública.
O que a pandemia tem a ver com tudo
isso? Como dito anteriormente, a interrupção das aulas tem sido a
circunstância adequada para experimentar a aplicação de recursos
tecnológicos à educação. Ocorre que tais recursos, se não forem tomados
como contingenciais e transitórios, poderão levar a uma desconfiguração
do trabalho docente, que implica em precarização: redução do número de
aulas – e, portanto, da remuneração -, intensificação do trabalho,
fragmentação das atribuições docentes, perda da autonomia sobre os
processos de trabalho docente e automação da educação. Não esqueçamos:
até aqui, esse foi o produto do EaD no ensino superior privado no
tocante ao trabalho docente. Senão, vejamos: segundo Censo da Educação
Superior, entre 2008 e 2018, período de expansão dos cursos EaD, houve
um crescimento de 49,7% nas matrículas no ensino superior privado. Em
2008 estas representavam 4.255.064 e, em 2018, 6.373.274, ao passo que o
númeto de docentes empregados nesse setor cresceu apenas 0,48%. Em 2008
eram 209.599 e, em 2018, 210.606. Em outros termos isso significa que
em 2008 eram 20,3 alunos por docente e, em 2018, 30,2 alunos (Inep,
2018).
Por isso, é claro que o EaD anima
empresários que veem na tecnologia um recurso mais adequado, mais
eficiente e, sobretudo, mais barato que professores e professoras. Há
uma indústria educacional fabricando, há tempos, insumos e derivativos
dos produtos voltados para educação. Indústria essa que já reivindica a
continuidade do uso de recursos tecnológicos pós pandemia.
O problema do EaD não é apenas o uso
que faz da tecnologia, mas a concepção de educação que ele engendra: uma
concepção automatizada afeita a um novo tecnicismo e aligeirada que, se
reduz custos, reduz qualidade igualmente. Pior ainda: retira a
centralidade do professor nos processos educativos, faz dele figura
assessória, o transforma em apêndice do maquinário tecnológico e
precariza sua condição profissional.
Medidas provisórias e retirada de direitos de professores
A crise provocada pelo coronavírus
poderia ser diferente se os governos, que devem oferecer respostas para a
crise, estimulassem saídas mais consistentes que improvisadas. Mas
estamos diante de um governo, cuja única resposta para a crise é mais
crise, cuja preocupação central está em manter a economia e não em
salvar vidas. Em proteger empresários e não trabalhadores.
Por isso, a edição das medidas
provisórias 927 e 936 por Jair Bolsonaro provocam um ambiente em tudo
desfavorável aos trabalhadores de modo geral e aos professores e
professoras em particular. A MP 927, entre outras coisas, permitiu a
divisão e a antecipação das férias dos trabalhadores, contudo as férias
de professores são coincidentes com férias escolares e são coletivas. De
forma apressada e diante de um cenário de incertezas quanto à duração
da interrupção das aulas, muitas escolas anunciaram desde logo a
antecipação: algumas para abril, outras para maio e outras ainda irão
decidir se serão dois períodos de quinze dias. Ocorre que professores e
professoras muitas vezes lecionam em mais de uma escola ou rede, o que a
rigor significa que muitos poderão passar um ano sem férias
propriamente ditas.
Já a MP 936, que institui o chamado
Programa Emergencial de Emprego e Renda, autorizou a redução de jornada
com redução de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho
por meio de “acordos” individuais e algumas escolas tentam aplicá-la.
Tal medida é também lesiva ao conjunto dos trabalhadores, mas as
particularidades do trabalho docente deveriam ser consideradas para
impedir sua aplicação a professores. Ora, professores não produzem
coisas que podem deixar de ser produzidas a qualquer tempo. Há uma
continuidade no trabalho docente. Há um compromisso com o currículo e
com as horas letivas firmado pelas escolas com pais e em consonância com
o que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Não havendo
suspensão do ano letivo, como poderá se efetivar tal redução sem ferir o
compromisso com a família ou a legislação educacional?
Por exemplo: a possível redução de
50% da jornada de uma professora de matemática e consequente redução de
50% no salário deve resultar em 50% a menos de conteúdos pedagógicos
trabalhados. Porém, não há como, durante três meses, produzir 50% a
menos do trabalho que realizamos sem ferir o que determina a legislação
educacional ou o contrato firmado com as famílias. Porque, como
afirmamos, há continuidade no trabalho docente que se caracteriza por
ser processual. Ou ainda: as escolas, ao defenderem a redução de jornada
e salário dos professores, fornecerão o argumento para os pais que
poderão reivindicar também 50% de desconto nas mensalidades, não por
conta da crise, mas porque receberão, durante três meses, 50% a menos do
serviço que contrataram.
Algumas escolas alegam que estão
juntando turmas para reduzir jornada e se ajustar à nova realidade e
asseguram o cumprimento do currículo, entretanto ainda que duas ou mais
turmas sejam reduzidas a uma, a única esfera do trabalho docente
efetivamente reduzida é o momento da aula. Todas as demais atividades
continuarão acontecendo com trabalho de professores e professoras. Nem o
trabalho docente se restringe ao momento da aula, nem os conteúdos se
reduzem as aulas expositivas. Há muito trabalho sendo executado por
professores antes e depois das aulas: planejamento, atividades,
relatórios, correções… para citar alguns.
Outras instituições justificam que o
currículo está sendo cumprido, de forma suplementar, com atividades
online que dispensam a participação de professores e professoras, o que
explicaria a redução. Mais uma vez é preciso reafirmar: tecnologias não
funcionam sozinhas na educação. É preciso que professores alimentem de
informações, orientações e atividades qualquer recurso tecnológico que
esteja sendo utilizado neste momento de crise. Afirmar a possibilidade
de recursos tecnológicos operarem de forma autônoma é pretender ocultar o
trabalho docente.
Importante lembrar, que assim como em
outras categorias, são muitos os trabalhadores informais ou com
contratos precários também na educação privada. São professores de
disciplinas extracurriculares, auxiliares de classe, os corretores de
redação, assistentes de laboratório, estagiários, monitores, além de
professores que são “empresários de si mesmos” e que trabalham como
microempreendedores individuais (MEI), para todos estes a ameaça é maior
e muitas vezes se apresenta como desemprego.
Sabemos, não é de hoje e nem da
crise, que a relação entre patrões e empregados é desigual. Sabemos que a
“oferta” de um acordo em nome da superação da crise e para salvaguardar
o próprio emprego tem algo de assedioso e de constrangedor, que pode
transformar, de forma eufemística, ameaça em “oferta”. Apesar disso,
também não há como negar que a possibilidade de aplicação de mais esta
MP à categoria dos professores e professoras só pode significar um
engodo, porque na prática a única coisa que será reduzida é o salário,
ao passo que o trabalho docente será ainda mais intensificado. Ou como
diria Guimarães Rosa, “em língua de segunda-feira”: trabalhar mais e
ganhar menos.
E depois do fim?
Notamos que mais de um mês após a
interrupção das aulas um conjunto de práticas tem induzido ao
esgotamento de professores e professoras pelo excesso de trabalho remoto
e pelo uso de novas ferramentas virtuais que têm se somado à
intensificação da devastação dos direitos trabalhistas e a ameaça
permanente de que esse quadro se torne ainda mais perverso pela edição
de nefastas medidas provisórias e pela combinação destes elementos.
Depois do fim da pandemia será
preciso recolher os cacos dessa experiência para superá-la. Precisaremos
avaliar se teremos condições de impedir que a Covid-19 – dramática em
si – seja também utilizada para ampliar a precarização do trabalho
docente e, para isso, é fundamental reconhecer esse período como atípico
e excepcional e, nesse sentido, as respostas oferecidas devem ter o
mesmo caráter de excepcionalidade. Propor desde já a continuidade do
trabalho remoto, após o fim da pandemia, é medida precoce e oportunista.
Tão precoce e oportunista quanto a antecipação das férias e a redução
de jornada tem se mostrado. Tão precoce quanto sobrecarregar professores
de afazeres virtuais e não ter sequer meios de avaliar o resultado
dessa investida. Tão precoce quanto alçar a tecnologia aplicada à
educação à condição de salvadora da pátria durante a crise. Isso seria
confundir “meios e fins”, assim como seria negligenciar os “fins
formativos” em favor de novos modelos tecnicistas, como adverte Maurício
Tragtenberg em importante e ainda atual análise de 1978, “A
delinquência acadêmica”, da qual emprestamos a epígrafe para estas
considerações.
É importante que o compromisso de
professores e professoras com estudantes e com a educação não tenha como
contrapartida a retirada de direitos, o controle e a vigilância sobre
seu trabalho, a submissão da docência à tecnologia, o acúmulo de
atividades e a estafa física e mental. Em pouco mais de um mês já se
constata que a aparente normalidade no curso do ano letivo por meio das
tecnologias não suprime as contradições desse momento, tampouco pode
ocultar o excesso de trabalho a que tem submetido professores e
professoras.
Andréa L. Harada Sousa é
professora de literatura, diretora-presidente do Sindicato dos
Professores e Professoras de Guarulhos – Sinpro Guarulhos, doutoranda na
Faculdade de Educação da Unicamp e pesquisadora do NETSS – Núcleo de
Estudo Trabalho, Saúde e Subjetividade da Unicamp.
1 Em 7 de outubro de 2019, a Kroton, maior empresa de educação do mundo, anunciou mudança de nome e redistribuição do foco
em quatro novos segmentos, entre eles dois destinados à educação
básica: a Saber, voltada para serviços educacionais; e a Vasta Somos,
para serviços de gestão para escolas e produção de material didático.
Disponível aqui: Em fevereiro deste ano foi anunciada
a compra da mansão do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira por Janguiê
Diniz, do Grupo Ser Educacional, com a finalidade de ali instalar uma
escola de educação básica.
2 Em geral os defensores da EaD
apresentam como vantagens desta modalidade a inclusão digital,
democratização do acesso , redução de distâncias geográficas,
flexibilidade de tempo e espaço. No livro Políticas de formação de professores a distância no Brasil: uma análise crítica,
a autora faz amplo levantamento bibliográfico sobre os argumentos dos
entusiastas da tecnologia e constata que grande parte destes autores tem
algum vínculo com empresas privadas de educação: “Esses autores,
conforme conferimos no Currículo Lattes de cada um durante a pesquisa
(entre 2006 e 2007), trabalhavam em universidades privadas e em empresas
educacionais ou, em alguns casos, até trabalhavam em universidades
públicas, mas mantinham fortes relações com organismos internacionais e
empresas educacionais”. (MALANCHEN, 2015, p.58)
Referências
FREITAS, L.C. Os reformadores
empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição
do sistema público de educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33,
n. 119, p. 379-404, 2012.
MALANCHEN, Julia. Políticas de formação de professores a distância no Brasil: uma análise crítica. 1. ed. Campinas: Autores Associados, 2015.
SOUSA, Andréa L. Harada.
Mercantilização e automação do Ensino Superior privado: o caso da
educação a distância. In PIOLLI, Evaldo; OLIVEIRA, T. (Org.) . Educação e
trabalho docente no Brasil: gerencialismo e mercantilização. 1. ed. São
Paulo: Fonte Editorial Ltda, 2019.
TRAGTENBERG, Maurício. Sobre
educação, política e sindicalismo. 1.ed. São Paulo: Editora UNESP, 2004
(Coleção Maurício Tragtenberg; v.1)
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