terça-feira, 29 de novembro de 2016

A PEC 241 e as suas principais falácias



Um guia didático para entender, enfim, a PEC do limite de gastos, e nove erros embutidos no discurso de seus defensores


Falácia 1: A PEC 241 reduz os gastos com educação, saúde, salário mínimo, infraestrutura etc.

Correção 1: Ela não reduz gastos de imediato, mas limita o aumento no futuro. Deste modo, não resolve nada em curto prazo e não terá grandes efeitos sobre a crise econômica, apesar de garantir expectativas de solvência.

Como o PIB voltará a crescer em algum momento, com o limite de gastos, o Estado se contrairá necessariamente, e isso independe dos fatos e das políticas que se queira adotar.

Não se sabe quantas pessoas nascerão, quantas ficarão doentes etc. Com o aumento da expectativa de vida, certamente haverá aumento populacional e, portanto, mais gastos serão necessários. A despesa per capta com educação, que já é pequena, ficará muito menor.

A PEC engessará as políticas públicas, desacelerará o progresso socioeconômico, pois reduzirá gastos sociais e investimentos.

O Brasil precisa reformar as instituições e as políticas que pressionam o gasto, e não passar uma régua rígida sobre eles de forma açodada, que não resolverá os graves problemas do País.

Haverá descumprimento da regra da PEC ou desarrumação ainda maior das instituições e políticas para se adequarem a ela sem propostas avançadas e sem um contexto social propício. 

Falácia 2: Foram as despesas primárias que geraram o déficit fiscal.

Correção 2: Os juros nominais pagos devem girar em torno de 418 bilhões este ano. Apesar de o governo Temer vir se esforçando para aumentar o déficit fiscal, fazendo jantares milionários para convencer políticos a votarem a favor da PEC, ele não deve chegar a metade do gasto com juros. 

Se o objetivo do governo fosse reduzir despesas, não estaria aumentando o déficit de forma estrondosa mês a mês. A previsão no governo Dilma era de 97 bilhões reais e passou a 170,5 bilhões de reais com 1 mês de governo Temer, sendo que, até agosto, já haviam sido gastos 172 bilhões de reais, restando ainda 4 meses para o fechamento do ano.

O gasto de 2016 passará dos 200 bilhões de reais por conta de altos investimentos feitos para obter o impeachment e as reformas que se tenta agora realizar sem suficiente debate, como é o caso da PEC 241. 

Não há qualquer dúvida sobre ser esse o grande desequilíbrio brasileiro e uma distorção enorme em relação aos demais países.

Apenas se pode crer que a PEC é encomendada por rentistas, grandes instituições financeiras e empresários muito ricos, que fazem um lobby forte, com uso das práticas já conhecidas no Brasil.

Depois dos juros, a segunda maior despesa é com a Previdência, que precisa realmente ser reformada e não está contemplada pela PEC.

A questão sempre é: qual reforma? Não se fala numa reforma estrutural, que abarque também o péssimo financiamento da Previdência. O governo atual nem cogita de fazer os mais ricos pagarem mais, apesar de estar completamente provado que eles pagam pouquíssimos tributos no Brasil. 

Falácia 3: As despesas explodiram por conta do governo do PT.

Correção 3: As despesas primárias tiveram crescimento mais ou menos constante nos últimos 15 anos, ou seja, desde o governo FHC, mas explodiu este ano quando Temer assumiu.

As despesas cresceram de forma real na média de 4,2% ao ano nos últimos 15 anos, mas o governo Temer, que usa números distorcidos, por exemplo, pelas desonerações fiscais e pelo desfazimento das pedaladas fiscais, que não são efetivamente despesas, alega que o número seria 6,2%. 

Falácia 4: O aumento constante de despesas gerou o déficit fiscal de agora.

Correção 4: Déficits são gerados por despesas superarem as receitas. Se as despesas aumentaram de forma constante, o problema maior está do outro lado, ou seja, as receitas caíram muito por conta da grave crise econômica, que derrubou a arrecadação tributária.

Se as despesas fossem menores, o déficit poderia não existir ou seria menor. Deve-se atacar as despesas maiores, sendo absurdo culpar gastos sociais, aumentos de salário mínimo e investimentos em infraestrutura, cujos valores, mesmo que somados, são menores do que os gastos com juros. 

Ao mesmo tempo, é preciso reorganizar a tributação, para que o poder de renda do mais pobre seja aumentado, gerando imediatamente aumento da demanda agregada, que está baixíssima. É preciso tributar mais os ricos e menos os pobres, o que beneficiará indiretamente os ricos, que venderão mais.

É assim que se monta um ecossistema econômico saudável que beneficie a todos. A visão “curto prazista” da elite brasileira prejudica a ela mesma.

Falácia 5: O descontrole nos gastos levou à crise econômica.

Correção 5: Um conjunto complexo de causas gerou a crise brasileira, sendo a quantidade de gastos, provavelmente, a menos importante. O problema é a qualidade.

A maioria dos países ainda não se recuperou totalmente da crise de 2007-2009, e isso é bem analisado no livro, festejado hoje no mundo, Rethinking Capitalism: Economics and Policy for Sustainable and Inclusive Growth, editado por Michael Jacobs e Mariana Mazzucato.

Segundo os textos desse livro, inclusive de Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, o conhecimento da Ciência Econômica tradicional foi insuficiente para permitir que os economistas previssem a crise, assim como vem sendo insuficiente para que eles consigam recuperar os seus países.

Uma das principais críticas é direcionada à austeridade fiscal, sobretudo àquela que ataca gastos sociais e investimentos, exatamente o caso da regra da PEC, uma péssima medida, dentre as várias possíveis. 

Falácia 6: Sem a regra da PEC 241, as despesas não pararão de crescer.

Correção 6: Para as despesas pararem de crescer, é preciso reduzir os juros e reformar a previdência. A regra da PEC não é necessária e não é adequada, pois há medidas melhores do que ela, como, por exemplo, o estabelecimento de um limite vinculado à taxa média do PIB de longo prazo, algo já proposto em texto publicado aqui na CartaCapital.

Além de desnecessária e inadequada, a PEC causará mais custos do que benefícios, de modo que ela não passa em nenhum dos critérios de validade da política pública. 

Falácia 7: Sem a PEC, o déficit fiscal vai aumentar e a economia não se recuperará.

Correção 7: A redução de despesas independe da aprovação da PEC. Além disso, o endividamento privado é atualmente mais grave do que o endividamento público, como lembra o economista Felipe Rezende.

O problema do Brasil é que a desarrumação institucional (política, tributária, previdenciária, administrativa etc.) trava a economia, endividando o setor privado e fazendo despencar a arrecadação. Com receitas menores, gera-se o déficit fiscal.

Com uma redução gradual dos juros em conjunto com o fim da isenção dos dividendos, a reforma da tabela progressiva do Imposto de Renda para os mais ricos e a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) para substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e contribuição previdenciária sobre a receita da empresa, seria gerado superávit ao mesmo tempo em que se corrigiria falhas graves da economia brasileira.

Falácia 8: A redução dos juros depende da aprovação da PEC 241.

Correção 8: Não há relação. Os juros reais brasileiros são enormes e a demanda agregada está muito baixa. O investimento em títulos da dívida pública brasileira é um baita investimento e não seria a redução gradual de juros até chegar em 2% dentro de 1 ano o que tiraria muito dinheiro do Brasil.

Por sinal, o País precisa de mais capital produtivo, e não capital rentista, que nada produz e apenas quer ganhar com juros altos.

Falácia 9: A recuperação da economia depende da PEC 241.

Correção 9: A recuperação depende de corrigir os graves desequilíbrios brasileiros. É uma bobagem acreditar que, após a PEC, eles serão corrigidos para que a regra seja descumprida. 

Esses graves desequilíbrios exigem reformas profundas, que requerem muito conhecimento, debate e algum tempo. A PEC não terá qualquer efeito positivo sobre demanda e oferta, mas apenas sobre as expectativas dos rentistas.

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology




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