Entrevista Revista Forum com a Deputada Federal RS Maria do Rosário.
Qual a sua avaliação a respeito das ocupações em escolas de todo o
país? Que mensagem essa juventude tem passado sobre a necessidade de uma
educação mais consciente e participativa?
Considero que as ocupações em todo o Brasil demonstram a consciência
política da nossa juventude. Essas meninas e meninos estão se
apropriando da escola como um espaço seu e lutando pelo direito a uma
educação de qualidade. Trata-se de um movimento profundamente pedagógico
para todos os que participam e para a escola em si.
Além do debate educacional propriamente dito, estão mostrando para a
sociedade que ela não pode aceitar passivamente os inúmeros e contínuos
ataques que a democracia sofre no Brasil. Esses jovens são o rosto
renovado, mais horizontal, menos institucionalizado, de uma inquietude
que há muitas décadas é símbolo do movimento estudantil, que nos
momentos mais difíceis sempre demonstrou sua força por meio de jovens
que lutaram e lutam em prol de ideais libertários de justiça, igualdade,
e em prol da democracia.
É importante também que eles tenham se apropriado da linguagem e da
capacidade de enfrentarem as medidas tomadas pelo governo Temer e pelo
Parlamento, conscientes do que significa a PEC 241, agora PEC 55 no
Senado, e a MP 746, que reforma autoritariamente o ensino médio.
A morte de um adolescente em uma das escolas ocupadas no Paraná
está sendo constantemente usada para tentar deslegitimar o movimento.
Como a senhora tem visto as notícias sobre esse episódio?
Nós não podemos nos conformar com a morte de um menino, é preciso que
o crime seja investigado e os culpados, responsabilizados. Nós tampouco
podemos aceitar a sua instrumentalização por parte daqueles que
promovem o ódio, que é a força motriz de tragédias como a deste
adolescente, sua família, e toda aquela comunidade escolar. Essa busca
pela deslegitimação realmente está acontecendo. Vi isso em uma reunião
da Comissão Mista da Medida Provisória nº 746, na semana passada.
O governo Temer e seu ministro da Educação, com apoio de governos
estaduais, promovem uma série de ações violentas contra os estudantes.
As manifestações da juventude têm sido reprimidas violentamente pelas
polícias orientadas por estes governos. Grupos de direita tentam invadir
as escolas e promovem o terror físico e psicológico contra os
adolescentes. Como se essa violência não bastasse, o ministro da
Educação enviou, em 19 de outubro, um ofício aos diretores dos
Institutos Federais exigindo que remetam ao MEC uma lista dos estudantes
que participam dos movimentos. O incentivo à delação é a prática
pedagógica deste governo?
O que o ministro da educação busca com esta medida é que a relação de
respeito entre professores, diretores e educandos seja rompida. É a
falta de ética de um governo que, não ao acaso, busca tirar da escola
todo o seu conteúdo humanista, por meio desta MP 746.
Por que a PEC 241, agora PEC 55, é tão prejudicial em um país que
demanda fortes investimentos em educação e outros gastos sociais?
A PEC 55 que agora tramita no Senado, antiga PEC 241 na Câmara, é
extremamente nociva, pois corta investimentos em áreas essenciais como
saúde e educação, estabelece uma lógica no Estado brasileiro na qual a
população será sacrificada hoje e as gerações futuras ainda mais, mesmo
após a superação da crise.
Significa que, nos próximos vinte anos, ainda que o país retome sua
trajetória de crescimento econômico, que a arrecadação de tributos
aumente, que a sonegação fiscal seja enfrentada e, assim, o Brasil possa
dispor de mais receitas, seguirá estagnado por um limite abstrato e
nefasto para questões extremamente concretas.
Assim, áreas centrais retrocederão e não haverá espaço para inovações
por duas décadas. A educação não poderá mais criar programas
transformadores como o ProUni, o ReUni e o Ciência sem Fronteiras, nem
contratar mais profissionais e remunerá-los da maneira adequada. Menos
ainda cumprir as metas do Plano Nacional de Educação.
Até mesmo os investimentos constitucionais em educação estão em
risco, pois com o teto proposto, seria imperativa sua suspensão. E tem
mais. O poder ou órgão que extrapolar o teto da PEC 55 ficará proibido
de conceder aumentos a servidores públicos, realizar concursos ou
quaisquer alterações que gerem despesas. Trata-se de tolher o futuro de
toda uma geração.
A senhora integra a comissão que irá analisar a MP 746, que prevê a
reformulação do Ensino Médio. Qual a sua avaliação em relação às
propostas apresentadas?
Na minha avaliação trata-se de uma reforma que tem o potencial de
aprofundar problemas já existentes na educação brasileira. Realizar uma
reforma desta natureza sem considerar a opinião dos estudantes,
professores e pesquisadores é um crime, vai levar à construção de uma
escola ainda mais distante da realidade dos alunos, o que contribuirá
para a evasão escolar, hoje um dos principais desafios que enfrentamos
quando se trata do Ensino Médio.
O Plano Nacional de Educação (PNE), esse sim fruto de intenso e
extenso debate, deveria guiar as decisões dos governos, contudo várias
de suas metas serão frontalmente atacadas caso essa MP venha a ser
implementada. Enquanto o PNE estabelece que é preciso garantir que todos
os professores e professoras da educação básica possuam graduação na
área de conhecimento em que atuam, a MP passa a permitir que
profissionais com “notório saber” possam dar aulas de conteúdos de áreas
afins à sua formação. Dilma, que abriu mais de 100 mil vagas em
licenciaturas para corrigir esta distorção, enfrentou o problema. Temer,
além de agravá-lo, quer ir além.
Como se isto não fosse suficiente, a MP altera ainda o artigo 26 da
lei 9396/96 (LDB) que define os componentes curriculares obrigatórios da
educação básica, composto pelas etapas da educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. Desta forma, se aprovada a MP ficarão
obrigatórias somente as disciplinas de português e matemática. Trata-se
uma medida para o empobrecimento cultural e educacional do currículo
escolar, uma vez que todas as demais disciplinas estarão relativizadas.
Todas as formas de expressões lúdicas perdem espaço com essa MP.
Contrariando até mesmo a Constituição Federal, em seu artigo 208, em que
se estabelece o dever do Estado para com a Educação, determina-se a sua
garantia por meio do acesso aos “níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística”. Antes previstas a todas as etapas da
Educação Básica, a MP termina com a obrigatoriedade do ensino de Arte e
de Educação Física no ensino médio. Além disso, as disciplinas de
Filosofia e Sociologia desaparecem completamente dos currículos. A
educação básica, conforme a legislação, deve qualificar para o trabalho,
mas também assegurar uma formação para o exercício da cidadania.
Qualquer reforma tem de ser calcada nessa concepção, e não na lógica da
MP, que estabelece uma visão mercadológica, onde a educação tem
finalidade meramente instrumental.
Não se trata de medida isolada, integra um conjunto de iniciativas
tomadas pelo governo ilegítimo contra a educação. Estes que comprometem o
financiamento da educação com a PEC 55, que congelará os investimentos
por vinte anos, e promovem a entrega do Pré-Sal, que poderia prover os
recursos necessários para a valorização e qualificação dos profissionais
da educação, e enfrentar problemas estruturantes da educação
brasileira, impedem também a perspectiva crítica e transformadora das
escolas, reduzindo conteúdo, impedindo a livre expressão de ideias e
debates por meio de programas falsamente “sem partido”, promovendo a
perseguição aos docentes e aos estudantes e excluindo do ambiente
escolar a diversidade humana. É uma escola amordaçada o que eles querem
construir.
De maneira geral, faltou diálogo com os Conselhos de Educação e a comunidade escolar sobre essas mudanças?
Sim, e não só com o conselho, mas com a sociedade como um todo. Os
inúmeros erros deste processo se iniciam pelo envio de uma Medida
Provisória. De acordo com a Constituição, MPs devem ser utilizadas em
caso de relevância e urgência, não há dúvidas de que o tema é relevante,
mas não há um dispositivo da 746 que entra em vigor de imediato, aliás,
grande parte do que prevê a MP depende da Base Nacional Curricular
Comum que está em fase de elaboração, logo não há urgência e o debate
deveria ser feito no Parlamento, inclusive aproveitando o trabalho de
anos de uma comissão que discutiu a reforma do ensino médio nesta Casa.
Agora é preciso que façamos esta Comissão de fato acontecer da melhor
forma possível. Eu realmente não acredito que a medida provisória seja o
melhor caminho, mas se está colocado eu vou fazer parte desse debate.
(da Revista Forum)
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