José Geraldo Santana Oliveira
O deputado federal Bebeto (PSB-BA) apresentou à Comissão Especial da Câmara Federal – destinada a estudar e apresentar propostas para a regulamentação do financiamento sindical –, Relatório Final, descrevendo, de forma circunstanciada, todo o processo de discussão, levado a efeito, a partir de 1º outubro de 2015, data de sua instalação. Bem assim, a proposta de projeto de lei (PL), que abrange, além do financiamento – sua pauta inicial –, a própria organização sindical.
Para
que se tenha maior dimensão da complexidade e da importância da
organização sindical, no contexto sociopolítico brasileiro, insta
salientar que, consoante consta do citado Relatório, que tramitam no
Congresso Nacional 12 propostas de emendas constitucionais (PECs) e 50
PLs, com a finalidade de alterar a sua estrutura e os seus contornos
normativos. Contam-se nos dedos de uma mão os que não tem por escopo o
seu enfraquecimento e a redução de direitos fundamentais sociais.
O
referido Relatório, por um lado, prima pela clareza e consistência da
análise sobre o contexto atual de dificuldades da organização sindical
brasileira, de seus anseios e perspectivas, bem como das propostas que
dela decorrem – o que é de todo louvável e digno de nota –; por outro,
traz a marca da intervenção na organização sindical – vedada pelo
Art.8º, inciso I, da Constituição Federal (CF) –, o que, a toda
evidência, representa retrocesso social.
Ademais,
não trata de questões de relevância cabal para o movimento sindical,
sem as quais a regulamentação de sua organização fica incompleta e sem a
força preconizada pela CF, notadamente, quanto ao registro sindical,
exigido pelo Art. 8º, inciso I, da CF, até aqui, sob a responsabilidade
do Ministério do Trabalho, por força do que determina a Súmula N. 677,
do Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe deu ensejo para rasgar
todas as garantias contidas nesse Art.; à estabilidade dos dirigentes
sindicais, vilipendiada pela Súmula N. 369 do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), para quem um sindicato com 20 trabalhadores na base tem o
mesmo número de dirigentes de um com cem, mil, ou mais, qual seja sete
efetivos e sete suplentes; à estabilidade do representante por local de
trabalho, de que trata o Art. 11, da CF; à punição por prática
antissindical, regra comum na maioria das entidades sindicais patronais e
nas empresas, em especial no tocante à recusa à negociação coletiva e
aos sistemáticos processos de demissão coletiva.
A
isso se soma o silêncio sobre a regulamentação do inciso I, do Art. 7º,
da CF, que proíbe a demissão arbitrária ou sem justa causa; sem dúvida,
o direito fundamental social com maior relevância social, dentre os 34
elencados no Art. 7º, da CF.
Dentre
as propostas sustentadas pelo comentado Relatório, merecem ampla e
fundamentada reflexão do movimento sindical, antes de abraçá-las, se
assim entender pertinente, as seguintes:
I
A garantia de voto universal, para todos os integrantes de cada
categoria profissional ou econômica, no âmbito dos sindicatos, consoante
a redação proposta para o Art. 529, da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
A efetiva participação de todos os integrantes da categoria, em todas
as instâncias decisórias da respectiva entidade sindical é mais do que
recomendável, deve ser meta e objetivo do movimento sindical, apesar de
utópica.
Não sendo este, pois, o ponto de reflexão, no que pertine a esta
proposta. As questões a serem suscitadas, para a sua efetivação, são: i)
como saber qual é o contingente de trabalhadores; ii) que critérios e
parâmetros serão utilizados para o quantificar, o que é imprescindível
para a definição do colégio eleitoral; iii) por meio dos dados
divulgados pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Cadastro
Geral de Admissão e Demissão (Caged), das guias de contribuição
sindical, não há menor possibilidade fazê-lo, haja vista a sonegação de
informações e falta de registro formal: iv) terão direito a voto somente
os trabalhadores formais, ou este direito se estenderá aos informais.
A falta de definição das questões retro suscitadas, com certeza, gerará
constantes e impertinentes discussões, administrativas e judiciais,
sobre o colégio e o quorum eleitoral, provocando instabilidade e tensões
permanentes em todos sindicatos, ao menos, potencialmente.
II
O Art.549-A, a ser acrescido à CLT, representa claríssima autorização
para a ingerência e a intervenção do Poder Público, na organização
sindical, vedada pelo Art. 8º, da CF, não obstante o deputado e Relator
afirmar o contrário.
Segundo a redação proposta para este Art., os sindicatos, as federações
e as confederações sindicais, profissionais e econômicas, deverão
(verbo mandatório) prestar informações às autoridades competentes,
quando solicitadas, sobre a contribuição sindical e a negocial.
A aplicação dos princípios da probidade, da impessoalidade, da
transparência e da eficiência, que gerem a administração pública – Art.
37, da CF –, indiscutivelmente, são aplicáveis à organização sindical,
em todos os seus graus.
Porém, essas obrigações não podem constituir-se em escudo para a sanha
intervencionista do Ministério Público do Trabalho, em grande escala, e
da Justiça do Trabalho, em menor, como já é sistemático, sem a
autorização prevista no realçado Art..Como será, se ela for convertida
em Lei?
O Art. não diz quem é a autoridade competente. Por isso, qualquer Órgão
Público poderá se arvorar nesta condição. Como resolver esta anomia? O
Relatório e o PL sob comentários não o dizem.
Cabe salientar – ainda, que, não obstante o Art. em apreço tratar só de
informações –, não resta dúvida de que quem as requerer o fará com o
propósito de agir, administrativa ou judicialmente, caso não as receba,
ou as considere insuficientes, ou ainda, reputar indevidas a aplicação
das verbas de correntes da contribuição sindical e da negocial.
A prevalecer esta proposta, além das já registradas ingerência e
intervenção, haverá uma pletora de inquérito civil público e de ação
civil pública, de iniciativa do MPT, sempre ávido pelo controle da
organização sindical.
Outra exigência descabida e inexplicável, contida no inciso VI, desse
Art., é a de demonstração contábil e financeira devidamente auditada por
auditor independente, legalmente habilitado nos conselhos regionais de
contabilidade – quando assim for decido em assembleia da categoria.
A realização de auditagem e/ou de perícia contábil, nas contas
sindicais somente se apresenta razoável e compatível com a presunção
constitucional de probidade quando for robustamente demonstrado que este
princípio foi quebrado pela direção sindical, ou, pelos menos, haja
fundada dúvida quanto à sua observância. Todavia, o dispositivo legal
proposto, relega a plano secundário estas condições ao permitir que, sem
prova de malversação de receitas sindicais ou de fundada dúvida sobre
ela, haja deliberação de assembleia determinando a realização da
mencionada auditagem. Um prato cheio para quem queira desestabilizar a
direção sindical – o que pulula no movimento sindical.
III
Em que pese colossal avanço, no que diz respeito à contribuição
negocial, visível e palpável no PL proposto pelo deputado e Relator, nos
termos da redação dos Arts. 610-A a 610-E (a serem acrescidos à CLT),
hoje, tabu e objeto de severa perseguição do MTP e da Justiça do
Trabalho – escudados no famigerado Precedente Normativo (PN) N. 119, do
TST –, às entidades que a cobram; parece fora de dúvida que se a redação
proposta para o Art. 610-A, § 1º, parte e final, a para o 610-B, for
aprovada, representará o seu esvaziamento.
Primeiro, porque a contribuição negocial somente pode ser levada à
apreciação e à autorização de assembleia, que se destina a aprovar o
resultado final do processo de negociação coletiva; como a redação é
ambígua, há margem para se interpretar que a discutida aprovação
condiciona-se ao êxito do processo de negociação coletiva, muito embora o
Relator diga o contrário. O certo é que essa redação suscitará muita
discussão e desavenças impertinentes.
Segundo, porque permite a oposição ao seu desconto, o que, a toda
evidência, quebra os princípios da isonomia e da solidariedade.
Frise-se que o fato de a oposição à destacada contribuição dever ser
prioritariamente em assembleia e por escrito, não lhe retira a condição
de tratamento contrário à isonomia e à solidariedade. E o que é pior:
abre a possibilidade de quem não foi à assembleia que a aprovou
manifestar a sua oposição, no prazo de 30, desde que comprove a sua
impossibilidade de a ela comparecer; o que comporta argumentos de toda
sorte, plausíveis ou não.
Como bem salienta o Ministro do TST, Antonio Barros Levenhagen – seu
Presidente até o dia 25 de fevereiro de 2016 –, contrário ao PN N. 119,
“.. se todos usufruem do benefício alcançado pela atividade negocial,
todos devem suportar o ônus para obtê-los”.
IV
O Conselho Nacional de Autorregulação Sindical – nos moldes propostos
pelo Art. 3º, do PL, do Relator –, dificilmente terá êxito em seu
mister, pois que, para tanto, será necessário o consenso entre os
representantes patronais e os dos trabalhadores, o que não se coaduna
com a estrutura social vigente.
É forçoso inferir da análise do Relator sobre os trabalhos da Comissão
Especial, sob realce, que o consenso será inalcançável entre os próprios
representantes dos trabalhadores, quanto ao mais destes com os dos
patrões.
Estas são as primeiras impressões colhidas da análise do Relatório em
epígrafe, que se sujeitam à contestação e ao debate, sendo este último o
seu principal objetivo.
* Artigo de autoria do consultor jurídico da Contee, José
Geraldo Santana Oliveira, acerca das discussões e relatório do deputado
federal Bebeto (PSB-BA), apresentado à Comissão Especial da Câmara
Federal, que abordam a organização sindical e seus desdobramentos.
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