quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Artigo: Universidade pra quê? A força e o futuro da UERJ







Publicado originalmente no Jornal do Brasil

Ana Karina Brenner *, Bruno Deusdará **, Guilherme Leite Gonçalves *** e Lia Rocha *** 
 
A universidade moderna nasceu de um projeto destinado a desenvolver as qualidades humanas e a cultura por meio de um programa de formação, que combinava ensino e pesquisa com base no conhecimento científico. Esse projeto, no entanto, tinha um vício de origem: era inacessível às classes populares; servia apenas à reprodução das elites. Sofria, assim, de um mal-estar que, dentre outras, produziu as revoltas estudantis de 1968. A partir desse momento, as políticas universitárias se voltaram para articular formação e inclusão social, conhecimento científico e igualdade.

A UERJ é resultado de um amadurecimento histórico dessa nova universidade. Criada em 1950, destaca-se pelo pioneirismo: primeira universidade pública do Brasil a oferecer ensino superior noturno, permitindo a qualificação dos trabalhadores; segunda instituição universitária a possuir um hospital das clínicas voltado para o ensino; primeira a implantar o sistema de cotas para negros, indígenas e estudantes oriundos de escolas públicas.

Nos últimos 10 anos, o número de cursos de doutorado quase dobrou, passando de 23 para 43. Em 2016, a UERJ possuía 26.767 estudantes presenciais, dos quais 9.900 cotistas e ainda 7.266 alunos de Educação à Distância. Além do Hospital Universitário Pedro Ernesto e da Policlínica Piquet Carneiro, ela conta com 714 projetos, 253 cursos e 34 programas de extensão, que levam à sociedade conhecimento e tecnologias de ponta, envolvendo cerca de 3 milhões de pessoas, entre profissionais, estudantes e comunidade atendida.

Nos últimos anos, a UERJ conquistou o regime de trabalho de Dedicação Exclusiva, assegurando um plano de carreira com capacidade de atrair os melhores quadros acadêmicos. Tal regime é estruturante da carreira docente, garantidor da qualidade da pesquisa, do compromisso com a formação de estudantes e pesquisadores, e do desenvolvimento tecnológico a partir da fixação de docentes em uma única instituição.

Hoje, no entanto, todo esse patrimônio corre risco.

Ciência, formação e igualdade social não fazem parte da agenda do PMDB. A Universidade lhe é estranha. Em seu programa para o Brasil, “Uma ponte para o futuro”, ela é tratada tão somente como encargo ou despesa, desconsiderando sua importância como investimento na construção e preservação do patrimônio científico e tecnológico de uma nação. Ao assim concebê-la, atribui à educação superior a responsabilidade de produzir desajuste fiscal quando é, na verdade, potencial de desenvolvimento econômico e de geração de emprego. Mas, então, qual é o projeto do PMDB para a Universidade?

Desde o golpe parlamentar, em 2016, o Governo Temer tem realizado significativos cortes em políticas sociais, entre elas o ensino superior. Só o MEC sofreu corte de R$ 4,3 bilhões. Asim, 15% dos gastos de custeio e 40% das despesas de capital, aprovados pelo Congresso para as universidades federais, ficaram congelados. No Rio de Janeiro ocorre fato semelhante. Para dar apenas um exemplo, no final de 2016, o Governo Pezão reduziu o orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro em mais de 30%. 

Em agosto de 2017, professores e servidores técnico-administrativos da UERJ  encontram-se com quatro meses de salários atrasados(mesma situação das outras universidades estaduais UEZO e UENF). Também atrasadas estão as bolsas de estudantes e residentes. O confisco de salários e bolsas é um confisco do orçamento da universidade, e mina as condições de reprodução das forças necessárias ao trabalho e à continuidade do patrimônio intelectual, científico e democrático adquirido ao longo das décadas. Um exemplo dos efeitos nefastos dessa crise é a saída forçada de alguns docentes do regime de dedicação exclusiva. Obrigados a acumular atividades paralelas, muitos desses profissionais não retornarão ao regimede DE após esse período.

O resultado da política universitária de Pezão e Temer, cujo não pagamento dos salários da UERJ é a expressão mais vil, são vários: evasão de estudantes, fuga de cérebros, destruição da pesquisa de ponta, eliminação do legado intelectual, extermínio da formação e da cultura. Em outras palavras, a depredação do resultado de décadas de investimento material e humano.

Nós, da Universidade, entendemos todavia que docência, pesquisa, cultura e formação se relacionam com o futuro. Nossa resistência é a garantia de que o projeto de universidade pública, de qualidade, gratuita, cada vez mais plural e inclusiva, permaneça. UERJ Resiste!

* Professora da Faculdade de Educação da UERJ, 
** Professor do Instituto de Letras da UERJ,
*** Professor da Faculdade de Direito da UERJ, 
**** Professora do Instituto de Ciências Sociais da UERJ e Presidente da ASDUERJ

 

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