Sociólogo Wilson de Almeida
 questiona incentivos públicos à inclusão de estudantes de baixa renda 
em universidades privadas que ofertam ensino "pasteurizado" 
Criado em 2004, o Programa Universidade para Todos (ProUni) 
já garantiu mais de 2 milhões de bolsas de estudo parciais e integrais 
em universidades privadas a estudantes brasileiros de baixa renda. Ao
 lado do Financiamento Estudantil (Fies), o programa é uma importante 
maneira de assegurar qualificação profissional a jovens que, 
historicamente, dificilmente conseguiriam espaço em universidades 
públicas, seja pela forma como os vestibulares se estruturam, seja por 
problemas em sua formação básica. 
A lógica emergencial do Prouni, construído para suprir a 
baixa oferta de vagas em universidades públicas, tem reflexos diretos no
 modelo e na qualidade do ensino universitário brasileiro. Para o 
sociólogo Wilson Mesquita de Almeida, o Prouni ajudou a consolidar um 
modelo de Ensino Superior que prioriza o lucro em detrimento da 
qualidade. "Hoje, os fundos de investimento de educação 
reestruturam as instituições, reduzindo custos, com o corte de 
professores e outras medidas que influenciam na qualidade", afirma o 
sociólogo. "O resultado é evidente: o maior grupo educacional não 
usa livros, mas apostilas, que saem mais barato. Existe uma 
pasteurização dos conteúdos didáticos oferecidos aos alunos."
Autor de Prouni e o Ensino Superior Lucrativo em São Paulo,
 Almeida afirma que os incentivos fiscais oferecidos às universidades 
privadas pelo Prouni transformaram pequenas universidades em grandes 
grupos de educação com ações comercializadas na Bolsa de Valores. 
“A transferência de dinheiro público continua a pleno vapor, agora 
fazendo novos milionários que vendem seus grupos a investidores 
estrangeiros e nacionais", argumenta.
Em 2014, os valores destinados ao Prouni, via 
renúncia fiscal, cresceram 166%. Já o orçamento na rede pública do 
Ensino Superior aumentou 86%. Os dados reiteram a opinião do sociólogo 
de que houve omissão do governo federal. Para Almeida, a política de
 estímulos estatais para universidades privadas "ocorreu paralelamente a
 uma omissão em desenvolver um sistema de Ensino Superior que combinasse
 instituições de pesquisa de ponta com um sistema público de ensino de 
massa, indo em direção oposta àquela de países desenvolvidos".  Confira 
abaixo a entrevista de Wilson de Almeida a CartaCapital.
CartaCapital: O que diferencia o “ensino privado lucrativo” de outras instituições privadas de ensino?
Wilson Mesquita de Almeida: Trata-se 
de um setor voltado para extrair lucros com a venda de serviços 
educacionais em nível superior, tocado por empresários e suas 
mantenedoras. Qualifico-o como ensino privado lucrativo
 para diferi-lo das instituições privadas comunitárias, confessionais, 
fundações de direito privado, autarquias municipais, dentre outras, que 
cobram mensalidades, mas cujo lucro não é revertido para os 
proprietários e seus herdeiros. Esse é o ponto essencial.
CC: Quando surge este modelo?
WMA: Esse setor surge durante o regime 
militar, no contexto da Reforma Universitária de 1968. Para a sua 
consolidação, contou com o auxílio do aparato estatal do período por 
meio da concessão de incentivos e subvenções e mediante a interferência 
do Conselho Federal de Educação, órgão na época responsável pela 
autorização de abertura dos cursos em prol do segmento privado 
lucrativo. Os governos posteriores à ditadura não conseguiram mudar o 
desenho desse sistema privado lucrativo de Ensino Superior, ao 
contrário, continuaram estimulando-o. Por isso, hoje ele é hegemônico em
 termos de vagas na graduação.
CC: O modelo brasileiro de “ensino
 privado lucrativo” é único no mundo? Qual a diferença entre este modelo
 e o modelo americano, por exemplo, com universidades privadas de 
excelência?
WMA: Não é só no Brasil que existe, mas 
aqui teve estímulos estatais para desenvolvimento e consolidação. Isso 
ocorreu paralelamente a uma omissão em desenvolver um sistema de Ensino 
Superior que combinasse instituições de pesquisa de ponta com um sistema
 público de ensino de massa, indo em direção oposta àquela de países 
desenvolvidos como França, EUA, Inglaterra, Holanda e Austrália.
Nos Estados Unidos, por exemplo, universidades com fins 
lucrativos constituem uma parcela baixíssima. São quase inexistentes. As
 únicas que há são justamente os grupos que investiram ou fizeram 
parcerias com universidades privadas lucrativas brasileiras. Em geral, 
não há universidade que vise ao lucro na França, nos Estados Unidos, na 
Inglaterra, na Alemanha, na Suécia.
CC: O Prouni é importante para 
garantir que estudantes de baixa renda tenham acesso ao Ensino Superior.
 Mas ele é lucrativo para as universidades privadas?
WMA: Sim. Segundo o MEC [Ministério da Educação],
 40% do faturamento do maior grupo educacional formado pela fusão entre 
Kroton e Anhanguera são provenientes de recursos públicos das isenções 
fiscais do ProUni e do financiamento obtido por meio do FIES [Financiamento Estudantil].
 Com o ProUni, as instituições com fins lucrativos ficam isentas de 
tributos que antes recolhiam. Isso em troca de um número de bolsas muito
 baixo em relação ao número de alunos pagantes.
Caso emblemático foi a adesão da Universidade Estácio 
de Sá ao ProUni. Na época, ela era a maior privada do País, com mais de 
100 mil alunos, e mudou seu estatuto de filantrópica para entidade com 
fins lucrativos. Com isso, obteve uma série de privilégios e benefícios:
 isenção de impostos, redução da concessão de bolsas de estudo 
gratuitas, não precisou pagar de forma retroativa alguns tributos 
devidos, além de ter alargado o tempo para pagar a cota patronal do 
INSS.
Ao retirar a carga de impostos, o ProUni contribui 
para o lucro das universidades. É como se uma empresa que vende um 
produto não precisasse pagar o governo ou se do salário bruto do 
trabalhador não precisasse extrair o imposto de renda.
CC: Dessa forma, pode-se dizer que há um financiamento indireto do governo federal a instituições privadas de Ensino Superior?
WMA: Sim, o financiamento se deu e se
 dá por meio das isenções fiscais. As universidades privadas lucrativas 
não são financiadas apenas com recursos vindos diretamente das 
mensalidades pagas pelos estudantes. É preciso considerar também a forma
 indireta, pela não cobrança de impostos ao longo do tempo e, agora, por
 meio do ProUni.
Nos anos 70, eram faculdades isoladas, pequenas. Hoje, são 
impérios, possuem o maior número de matrículas na graduação e as maiores
 faculdades já estão na Bolsa de Valores. O lobby das universidades 
lucrativas, que possuem articulações políticas em todos os partidos, 
conseguiu o fôlego necessário para hoje se dar ao luxo de entrar na 
Bolsa de Valores. A conta, a imensa maioria dos brasileiros paga. Ou 
seja, a transferência de dinheiro público continua a pleno vapor, agora 
fazendo novos milionários que vendem seus grupos a investidores 
estrangeiros e nacionais.
CC: A profissionalização da gestão
 das universidades privadas as tornaram corporações despreocupadas com o
 seu produto, que é a qualidade do ensino e a formação do aluno?
WMA: Mais ainda. Intensificou algo 
que já era bem complicado. Desde o seu surgimento, durante o regime 
militar, a qualidade de ensino das universidades estritamente voltadas 
ao lucro está comprometida. Por exemplo, no que se refere ao corpo 
docente, há a contratação de professores pagos por hora, sem um plano de
 carreira, e dedicados a circular entre as várias unidades para somente 
dar aulas.
Algo como um “professor-feirante” que não tem tempo para 
pesquisar, estudar, produzir conhecimento novo e transmitir esse 
conhecimento novo para as gerações vindouras. Há problemas mais graves 
com universidades que utilizam “cooperativas” para não pagarem direitos 
sociais assegurados ao trabalhador formal.
Hoje, os fundos de investimento de educação reestruturam as 
instituições, reduzindo custos pelo corte de professores e outras 
medidas que influenciam na qualidade do ensino oferecido, para maximizar
 suas ações na Bolsa de Valores, visando um alto retorno financeiro. O 
nome disso é “desinvestimento” ou “saída do investimento”.
O resultado é evidente: o maior grupo educacional não usa 
livros, mas, sim, apostilas, que saem mais barato. Existe uma 
pasteurização dos conteúdos didáticos oferecidos aos alunos.
CC: O Brasil carece de mão de obra
 qualificada e de vagas no Ensino Superior público. Programas como o 
Prouni e o Fies são um incentivo no curto prazo do governo federal. Na 
sua opinião, o “ensino privado lucrativo” responde a essa demanda 
proporcionando um aluno com os padrões de qualificação desejados?
WMA: Não. Na verdade, sem a inversão da 
lógica atual predominante, esses programas tendem a ser ainda mais 
prejudiciais. No entanto, para inverter a lógica atual, tem que mexer em
 privilégios. Ou a sociedade brasileira enfrenta o lobby das 
universidades lucrativas, regulando-o de fato, ou ficaremos nos 
discursos. É importante ampliar o acesso ao Ensino Superior, mas deve-se
 garantir a qualidade dos cursos ofertados. O desafio é que a rede 
privada e lucrativa atualmente possui mais de 70% de participação no 
Ensino Superior brasileiro.
CC: O senhor poderia comentar o lobby que a Frente Parlamentar fez pela adoção do Prouni pelos grupos como a Anhanguera e o Kroton?
WMA: No Congresso, o lobby privatista é 
representado pela Frente Parlamentar de Apoio ao Ensino Superior 
Privado. Ela é composta por senadores e deputados, tanto da oposição 
quanto da situação, o que demonstra a força do segmento privatista 
incrustado também no Poder Legislativo. Em 2008, a frente era formada 
por 171 deputados e 36 senadores. Ela já chegou a pleitear, sem sucesso,
 mudanças na lei para inclusão do setor de Ensino Superior privado 
lucrativo entre as áreas de aplicação do FGTS.
Quanto ao ProUni, a influência pode ser constatada a partir 
do total de emendas propostas pelos deputados ao Projeto de Lei do 
ProUni. Ao todo, foram 292 propostas de emenda. No livro, faço uma 
análise comparativa que revela a existência de claras mudanças 
decorrentes das interferências do segmento privado lucrativo por meio de
 suas entidades representativas e dos deputados e senadores que as 
apoiam.
CC: Qual é a forma de garantir padrões mínimos de formação do aluno pelas universidades?
WMA: Assegurar padrões mínimos de formação 
passa obrigatoriamente pela atração de bons professores. Isso depende de
 uma carreira digna, com condições de trabalho decentes e salário 
condizente com suas funções. Também é preciso fornecer tempo para o 
professor se dedicar a estudos e pesquisas, evitando que o profissional 
vire um papagaio repetindo coisas velhas.
Além disso, é preciso que o aluno passe por um crivo 
mínimo, que o possibilite acompanhar, de modo mais pleno, o curso 
superior. Educação não é só com ter o diploma na mão. Sabemos há muito 
tempo que grande parte das universidades privadas não faz um vestibular 
de verdade. É mais para preencher formalidades junto ao MEC. Não é à toa
 que os bolsistas do ProUni, geralmente, tendem a possuir desempenho 
igual ou superior que os alunos pagantes.
Isso porque, além de ser uma oportunidade que ele 
agarrou para conseguir fazer o Ensino Superior, o aluno do Prouni também
 teve de passar por um crivo mínimo que é o Enem (Exame do Ensino 
Médio).
Logicamente, há outros fatores a considerar: redesenho
 do sistema de Ensino Superior para um modelo que reverta a lógica de 
curtíssimo prazo, currículo, forma de avaliação do estudante, 
complementação de conteúdos para alunos de baixa renda, interface com o 
mercado de trabalho, dentre outros. Porém, o essencial é a qualidade do 
professor e em uma seleção mínima do estudante.
CC: O descredenciamento do MEC funciona?
WMA: Não. Os prazos são muito largos. Efetivamente, conta-se nos dedos as instituições que, de fato, foram descredenciadas. Os
 advogados dessas instituições utilizam-se de brechas na legislação para
 protelar o processo na Justiça e, no fim, fica por isso mesmo. O MEC 
passa muito a mão na cabeça de gente que não cumpre a lei. Ou seja, é 
omisso. O correto seria o descredenciamento imediato de quem não cumpriu
 com seus compromissos. Infelizmente, empresa, no mundo e no Brasil, só 
muda quando dói no bolso, quando perde mercado. Ou muda ou desaparece.
CC: Políticas como o Plano Nacional de Educação podem ecoar num salto de qualidade no Ensino Superior?
WMA: Planos são delineamentos e propostas 
de metas e objetivos. É importante, mas o que muda, de fato, é a 
política adotada, com estímulos e desestímulos a determinado setor, 
investimentos ou a falta deles, enfim, ações concretas.
É preciso redesenhar o sistema de ensino superior 
brasileiro. Uma alternativa concreta, viável e mais sólida seria fazer o
 que eu chamo de um modelo público diversificado e amplo, pois o modelo 
público de Ensino Superior atual, centrado nas universidades públicas, 
ainda é muito restrito, com poucas vagas e com baixo número de 
estudantes de baixa renda.
Ter um sistema de Ensino Superior composto por universidades
 públicas com um leque maior de opções de cursos e universidades 
privadas não lucrativas seria bem mais adequado e produtivo. Nos países 
mais desenvolvidos, esse é o modelo dominante. O Brasil possui ambas, 
mas elas são minoria, justamente porque se elas fossem maioria não 
haveria espaço para esse setor voltado estritamente para o lucro, sem 
preocupação maior em ofertar educação de qualidade. Mexer nisso é 
contrariar interesses e mudar o desenho do sistema de Ensino Superior 
brasileiro, tanto na sua parte privada quanto na sua parte pública. Ao 
fazê-lo, penso, estaríamos bem mais próximos de ter um Ensino Superior 
mais democrático e de qualidade. Se o Brasil souber utilizar os novos 
recursos destinados à educação nessa direção, abrirá novas perspectivas 
de avanço educacional.
#cartacapital  por Marcelo Pellegrini
—
publicado
19/12/2014 05h34
Diretoria do Sinpro
Macaé e Região
SEDE MACAÉ 
Endereço: Rua
Teixeira de Gouveia, nº 1169 sala110 
Bairro:  Centro – 
Macaé - RJ - CEP: 27.910-110 
Tel.: (22)
2772-3154
Horário de Funcionamento: 9h às 18h ( Intervalo 13h às 14h)
Email: contato.sinpromacaeregiao@gmail.com
Direção: sinpromacae.regiao@gmail.com
Jurídico: juridico.sinpromacae@gmail.com
Homologação:homologacao.sinpromacae@gmail.com

Nenhum comentário:
Postar um comentário